Por Marcelo
Lopes
O
historiador e crítico, Paulo Emílio Sales Gomes, observava em seu livro
“Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, que a sétima arte no Brasil teve
suas primeiras vivências ligadas às iniciativas de gringos, principalmente
italianos, porque, segundo se dizia no país, se qualquer coisa era muito
complicada deveria ser da conta de estrangeiros, se era muito braçal ficaria a
cargo de negros e outras pessoas de menos polidez. Outros tantos aspectos da
história de formação do povo brasileiro e sua herança ibérica destacam o que
nos foi legado: a pouca capacidade de planejar a médio e longo prazo uma vida
prática para o bem comum; uma supervalorização do que nos é externo em proporcional
desvalorização ao que é nosso e original; e, principalmente, uma inabilidade de
separar interesses privados daquilo que é de interesse público, como bem
analisou o pensador Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil.
Historicamente
tivemos pouco tempo e circunstância para dedicarmos ao senso mais básico de uma
autoestima nacional. Somos um povo com apenas cinco séculos de existência
reconhecida, o que equivale dizer que oficialmente não damos a mínima para os
demais séculos de história nativa pré-ocupação europeia. Dos nossos cinco
séculos oficiais, contabilizamos quatro de escravidão legalizada. A educação brasileira também teve uma trajetória de obstáculos, sem poder ser exercida em
território nacional durante muito tempo, para que a população não se tornasse
esclarecida e incômoda. A independência de Portugal não nos tornou
independentes dos portugueses, que continuaram por aqui como imperadores. A
República se fez sem que o povo tomasse conhecimento e, tempos depois, para
ficar longe das vistas e da convivência pública, o centro oficial de poder
mudou-se da antiga Guanabara (hoje estado do Rio de Janeiro) para uma área erma
no meio de uma terra de ninguém e que veio a se chamar Brasília.
A
falta da incorporação consciente de regras de convívio social e cidadã às
práticas do dia-a-dia é um componente da realidade brasileira. O pragmatismo sem
a mediação eficaz das leis redunda no chamado jeitinho brasileiro, um hábito
comum de contornar as regras estabelecidas. A Constituição brasileira,
exemplarmente construída como uma das mais bem elaboradas do mundo mal sai do
papel e acaba sofrendo uma espécie de síndrome do photoshop, mascarando uma realidade que não condiz com o conteúdo. Isto
porque, leis sem aplicação e fiscalização que as garantam não surtem efeito ou
servem apenas para o benefício de poucos.
A
recente tragédia da cidade de Santa Maria (RS), onde mais de duzentos e trinta
jovens morreram no incêndio de uma boate local, levanta todas estas questões de
forma muito pertinente, mas também assustadora. Mostra que muitas práticas
ainda hoje não têm correspondência direta com a aplicação das normas que as
regulam, a não ser quando já é tarde demais. Visualizem comigo: um espaço de
shows, eventos, desfiles ou encontros públicos de qualquer natureza, com
ambiente lotado além da conta, normalmente com uma ou no máximo duas portas de
entrada/saída e pessoas se acotovelando para ver algum tipo de espetáculo,
desenhando uma situação de perigo potencial. Faça um exercício mental e rápido:
quantos lugares como este existem na sua cidade?
Num
município como Vitória da Conquista, onde grandes áreas de apresentação e espaços
alternativos tendem a se multiplicar, esta preocupação é antiga. Muitas
estruturas existentes não atendem às normas de segurança, funcionando sem
maiores cuidados obrigatórios. Shows pequenos ou grandes, facilmente mantém
lotação além do permitido, sem plano de segurança e evacuação. Não é comum que
se registre, por exemplo, no Parque de Exposições Teopompo de Almeida - com sua
longa lista de eventos ao longo do ano - shows com previsão para quatro mil
pessoas alcançarem cifras superiores a dez, pela mais consciente e completa
irresponsabilidade de seus produtores. Este registro é impressionante, se
levarmos em conta ainda que são poucas as iniciativas com efetiva atenção às regras
básicas, como é o caso do Festival de Inverno Bahia.
O
fazer sem conhecer é também um erro comum e perigoso. Muitos profissionais da
cultura desconhecem as obrigações e procedimentos de segurança, limitando-se apenas
a tornar “realizável” sua arte. Seja na área da música, do teatro, da dança e
em outras artes onde a montagem de estruturas para apresentação implica em
fatores diversos, os riscos só podem ser amenizados pela efetiva
profissionalização dos seus realizadores e pelo acompanhamento próximo dos
órgãos de fiscalização do poder público. Do extintor com data de validade em
vigor à vistoria do corpo de bombeiros; do alvará de funcionamento do
estabelecimento às estruturas que garantem a integridade física do público em
caso de uma evacuação de emergência, estes são fatores fundamentais que precisam
tomar as pautas dos debates públicos e dos meios de comunicação. Principalmente,
precisam ser acompanhados de perto, como paulatinamente vem sendo pela
administração pública local, muito embora o caminho seja longo até ser
satisfatório.
Burlar
as normas de segurança, como qualquer outra forma de “dar um jeitinho”, é uma
prática que precisa ser deixada de lado, em respeito a tudo aquilo que
almejamos melhorar como cidadãos e seres humanos. Não podemos nos pautar em
querer ser capazes de receber uma Copa do Mundo, uma Olimpíada ou pontuar
índices altos de alfabetização da população apenas para entrar para rankings internacionais,
somente para que não fiquemos mal na fita. As estruturas para que eventos como
esses ocorram devem ser consequência e não razão da mudança; mudança esta que
de fato não existe se acontece sempre para atender demandas externas e
interesses menores. Esta mesma lógica serve para que atuam na cultura e em
outras áreas que lidam com públicos diversos em suas cidades e regiões.
Não
se trata de sermão, apenas não dá para conviver com notícias de catástrofes
anunciadas pela mais pura falta da responsabilidade de todos nós.
E-mail atencioso de Jane:
ResponderExcluirBOA NOITE MARCELO!
A CADA TEXTO SEU FICOU MAIS ENCANTADA...
PARABÉNS PELO BLOG MARAVILHOSO...PARABÉNS PELOS TEXTOS, REALMENTE BEM ESCRITOS...
DÁ UM PRAZER DANADO LER AS COISAS QUE VOCÊ ESCREVE.
FICA AQUI O MEU ABRAÇO E A CADA DIA A MINHA ADMIRAÇÃO.
JANE
----
Obrigado, Jane!!
Bom saber que esse meu tempo dedicado a escrever tem tido uma recepção legal...
Valeu!!