quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Tropa de Elite 2: um tiro certo nas salas de cinema do país

Eu me lembro de uma época (nem faz tanto tempo assim) em que dizer “vou ao cinema para ver um filme nacional” provocava risinhos ou caretas. Risinhos e caretas que tinham origem no mesmo motivo para os meus interlocutores: “Vai ver o que por lá? Não tem nada que presta! Só vai ver sacanagem”. Isto porque a década de oitenta e início dos anos noventa marcou o cinema brasileiro com centenas de pérolas do cinema de baixo custo. Aliás, as partes baixas eram o “xis” do problema. Com a queda da freqüência do público nos cinemas, muitas produções apelaram para histórias de sexo e violência gratuitos, além de roteiros fracos para atrair um público que exigia muito pouco do que via. Mais ou menos como a Impressa Marrom que estamos acostumados encontrar – infelizmente – aos montes nos vários canais da nossa TV aberta.

Foi somente com o surgimento de um novo ciclo de filmes brasileiros (inaugurado com o longa-metragem Carlota Joaquina, de Carla Camurati), ainda no início da década de noventa, que o público e o cinema fizeram as pazes, com leveza, humor, força e uma boa dose do que se tornaria comum nos filmes seguintes: a preocupação sincera em discutir a própria identidade brasileira. Era o início do que se convencionou a chamar Cinema da Retomada.

Não é possível afirmar, concordando com o crítico de cinema Luiz Zanin Oricchio, que o Cinema da Retomada ainda vigore, já que não se pode retomar uma coisa por mais de quinze anos, entretanto, o que quer que defina o cinema brasileiro de hoje, uma coisa é certa, o olhar atento para o seu próprio universo e identidade ainda é uma fórmula que dá certo.

Em 2007, o Brasil foi apresentado a um personagem controverso e bem brasileiro, repleto de polêmica, dramaticidade e que ocupou o imaginário e a voz popular: o Capitão “Pede-pra-sair” Nascimento. O novo anti-herói do cinema nacional fugia ao padrão das grandes expectativas do final-feliz hollywoodiano. Ao contrário, calcado no cotidiano cru e violento da vida dos policiais do Batalhão de Operações Especiais de Elite do Rio de Janeiro, o Bope.

A história do filme Tropa de Elite, do cineasta José Padilha, foi um chute no estômago dos roteiros da realidade pó-de-arroz que nos acostumamos a ver no cinema. Nos acordou para a força de um bom cinema de conteúdo, sem deixar de ser comercial e rentável. Impacto semelhante em filmes desse gênero só havíamos sentido recentemente com a produção do filme Cidade de Deus. Desta vez, no entanto, o enfoque foi outro: enquanto o filme de Fernando Meirelles tratava dos meandros do tráfico nas favelas, a obra de Padilha se encarregou de escarafunchar o dia a dia dos homens responsáveis pela repressão a esse mesmo tráfico, revelando as contradições, os interesses visíveis e obscuros e a pressão do “sistema” por detrás do Sistema. A história do Capitão Nascimento na busca por um substituto no comando do Batalhão de Elite, envolta em um submundo sem maquiagem, tomou de assalto as conversas das esquinas, escolas, páginas dos jornais e da internet. Passaram-se três anos desde o sucesso do filme. Agora, em Tropa de Elite 2, o então Coronel Nascimento, é alvo das filas imensas e dos recordes nas salas de exibição (ah, sim! hoje em dia existem filas para ver cinema brasileiro!). A violência desta vez é vista de cima, de dentro dos corredores da política, onde em muitos momentos são travadas relações estreitas com a manipulação das informações privilegiadas. Onde os inimigos maiores também são outros: as milícias, grupos de policiais que ocupam as favelas em nome de uma suposta segurança para a população. É neste novo ambiente de corrupção que o agora Sub-Secretário de Segurança Pública Roberto Nascimento vai agir. Mais maduro, como a nova produção do filme que o consagrou, mas com a mesma determinação e inteligência que o destacaram nesse universo controverso.

Tropa de Elite 2, baseado em um mosaico de fatos da recentes história brasileira, e que teve como pano de fundo para a construção do roteiro a CPI das Milícias, em 2008, vai fazer o público sentir-se novamente bem próximo desta realidade crua pelos méritos de uma produção muito bem construída, que mais do que estimular a população a assistir bons filmes nacionais, pode fazê-la parar para pensar o quão tênue podem ser os enredos da realidade e do cinema.

Publicado no site www.vitoriadaconquista.com.br em 09-11-2010