sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Lições de Casa

Em primeiro lugar, não vou dizer que sou contra o Oscar. Mas também não sou a favor. Entendam: o prêmio mais cobiçado pelo cinema mundial tem sim todo o glamour que costumam mostrar, tem rios, oceanos de dinheiro envolvidos, tem todos os rostos mais famosos da grande tela, tem a força de uma indústria mundial e economicamente hegemônica. Tem isso tudo e um monte de outras coisas. Mas não é para nós. Não porque ache que não é para o nosso bico. A verdade é que não é para o nosso umbigo. É para o umbigo dos norte-americanos (e alguns de seus sócios, logicamente).
O Oscar é a celebração máxima de um tipo de cinema feito pelos americanos, para os americanos e vendável para o resto do mundo, dentro dos critérios estabelecidos por eles mesmos. Ponto parágrafo; “zefiní”. Qualquer variável além desta, como prêmios de melhor filme estrangeiro ou outras brechas que certas categorias possam legar beneplacitamente a filmes de outras nacionalidades, só encontram espaços devido aos lobbys fortíssimos junto à Academia Norte-Americana de Cinema e suas grandes produtoras.
Hollywood é um produto extremamente comercial e egocêntrico, cujas estrelas que gravitam no seu entorno vivem dos interesses do seu próprio mundo, de olho no que o mundo dos outros possa lhes comprar. Ter uma visão crítica acerca do mercado norte-americano não nos impede de reconhecer as incontáveis obras-primas desse mesmo mercado, repleto de filmes incríveis, de diretores visionários e geniais. Mas não se pode perder de vista que se trata de uma indústria auto-valorizável, onde o lugar da narrativa, da visão do mundo, da economia e dos valores se referendam em torno de si mesmo, deixando muito pouco espaço para o resto do mundo. O Oscar norte-americano é a celebração do seu próprio cinema.
Mas afinal, qual é o valor ou não de uma premiação do Oscar para nós, estrangeiros? Digo “estrangeiros” porque este é o lugar que ocupamos, apesar de consideramos o evento a maior premiação do cinema mundial (o que torna o sentido de estrangeiro um contrassenso).
Do ponto de vista comercial, é um excelente cartão de visitas: como vitrine de uma indústria que movimenta bilhões de dólares anualmente, fazer parte de um rol de obras premiadas pelo evento abre uma série de possibilidades, dando maior visibilidade para os filmes produzidos pelo país de origem, pelo diretor, etc., direcionando o olhar do grande público internacional para as razões pelas quais o prêmio foi concedido. Aos frutos colhidos por uma premiação dessa natureza, soma-se ainda um impulso muito bem vindo nos mercados interno e externo, fomentando novas iniciativas, repercutindo no estímulo a outros profissionais e no investimento maior no setor.
Mas a raridade de uma premiação direcionada a outro país nos remete às razões fundamentais da minha crítica. Por ser voltado para um mercado auto-centrado, cujas preocupações gravitam – ainda hoje – sobre a mesma política de disseminação da cultura norte-americana, o American way of life, a sagração de seus próprios nomes, produções, atores, profissionais, entre outros, é mais um mecanismo de valorização de si mesmo, permitindo poucas brechas para qualquer influência externa. Efetivamente, não lhes interessam outros olhares, outras identidades, outros prazeres, outras nuanças que não as que partem do seu próprio olhar etnográfico, cercado mercadologicamente de um potencial econômico muito bem estudado do qual possam usufruir, credenciando-lhes, inclusive, com a chancela de um Oscar.
O cineasta Walter Salles, quando da indicação de seu filme Central do Brasil ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar em 1998, afirmava com uma verdade muito consciente que era preciso que nossos filmes fossem vistos primeiro pelos brasileiros, que estas obras encontrassem eco prioritariamente em seu próprio mercado e depois, por consequência (e não por razão única), tomassem espaço no mercado internacional. Fiel ao que pregava, pouquíssimos dias antes do Oscar, ao invés de estar viajando pelo mundo, encabeçando na grande mídia internacional os esforços que pudessem fazer da sua obra um dos favoritos ao prêmio, o cineasta se dedicava durante uma semana inteira a um evento de formação sobre a história do cinema brasileiro no interior da Bahia, mais precisamente no Teatro Glauber Rocha, na Uesb de Vitória da Conquista.
Enfim, torçamos, então, para que nossos filmes sejam fiéis ao que somos; o resto será sempre lucro.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Em que pese olhar o Brasil mais de perto

Por Luciana Oliveira (colaboração de Marcelo Lopes)

Sérgio Buarque de Holanda, em seu célebre livro Raízes do Brasil, publicado em 1936, aborda aspectos fundamentais para entender o Brasil. A herança da colonização portuguesa e a dinâmica dos arranjos e adaptações que marcaram as transferências culturais de Portugal nos ajuda a entender certos patrimônios nacionais. Aborda principalmente como o brasileiro se tornou incapaz de separar seus interesses da esfera particular dos da esfera pública, dando origem ao famigerado “jeitinho brasileiro”. O livro também ajuda a entender como a corrupção é hoje um fenômeno enraizado na sociedade brasileira. Ao destrinchar a história ele consegue demonstrar como construímos esse patrimônio nacional. Nesse sentido, é um pouco desolador pensar que algo tão depreciativo para o país, como é a corrupção, o é por estar tão arraigado em nós.
Mas, ao retornarmos ao caso da Lei da Ficha Limpa, um fio de esperança nos anima porque a vontade social de superação parece não se encerrar num determinismo histórico. A população, ou parcelas significativas dela, não admitem a impunidade política. Num país em que somos obrigados a votar, é de dar náuseas acompanhar certos certames eleitorais. Testemunhar o retorno de algumas figuras a cargos públicos após escândalos homéricos de corrupção certamente não é o melhor caminho para o já bastante propagado Brasil do Futuro. E foi na esteira dessa indignação coletiva que milhares de brasileiros sinalizaram que exigiam mudanças no jogo. Quando mais de um milhão de pessoas se associam reivindicando mudanças algo não vai muito bem. Infelizmente, a lei sofreu alterações por parte do Congresso, sob certa “interpretação providencial” da Justiça. É bem verdade que a aplicação dela está longe do que almejávamos, mas foi um esforço válido.
A participação cada vez maior da sociedade civil organizada nos processos de decisão dos governos não é um fenômeno localizado, é uma realidade dos países democráticos. Naturalmente que essa participação foi conquistada e não cedida gentilmente pelos líderes políticos. Acredito que as pessoas estão se organizando mais em reposta ao que chamo de incompetência governamental. Parece sintomático o fato de que os estados já não conseguem mais dar conta dos anseios da população. Bem, eles foram capazes em algum momento?

Não consigo quantificar os inúmeros “elefantes brancos” espalhados pelo Brasil afora, como no exemplo do metrô de Salvador, em obras há dez anos, sem previsão de término. É claro que por trás da incompetência residem outras patologias, corrupção é uma delas. Assim, Sérgio Buarque de Holanda parece estar certo; a corrupção é mesmo um “traço nacional”. No entanto, nem todo brasileiro comunga dele. Os brasileiros têm se organizado para protestar e construir novas formas de estar no mundo. Ao que parece, o atual sistema de representação não reflete mais a nova forma de estar no mundo, o que obriga necessariamente a sociedade refletir sobre esses tempos modernos e quais outras formas de organização são mais eficazes. Se o caminho não é instituir um sistema totalmente diferente só nos resta uma reforma desses representantes.
Ao que parece, nossa capacidade tecnológica atual de ocupar espaços privados – nos quais nossos próprios representantes se resguardavam – fornece ao cidadão comum certo dom de onipresença, capaz de gerar informação, que se transforma em conhecimento e nos faz aprender. Brasília já não é mais uma ilha: hoje vive sob os olhares de milhões de câmeras particulares, é comentada pelas redes sociais, analisada pelo homem comum, indignado, propenso a manifestar-se de modo efetivo em reação a este mundo aparentemente sem jeito. Saber mais nos impele a mudar, a revirar a lógica da nossa herança ibérica e avançar. Uma crise silenciosa que não deixa de ser notada, embora não crie estardalhaços pelas ruas. É possível que adolescência brasileira esteja sendo encurtada pela velocidade da Era da Informação. Talvez não tenhamos, assim, os arroubos da puberdade, mas já demonstremos algum traço de maturidade que, em algum momento próximo, nos salve de tanta corrupção.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Playing for Change – A linguagem universal da Música

Acho que todo mundo já cantarolou alguma musica sem saber a letra, principlamente se a letra for numa língua diferente da sua.
Não importa de onde venha, não importa que estilo seja, ou qual sua verdadeira história, o fato é que a música fala à alma e naõ tem fronteira.

Pensando nisso, foi que um projeto ousado trouxe sons de todas as partes do mundo para dialogar com todas as partes do mundo, incluindo nós aqui e eles lá, ou eles aqui e nós lá... tanto faz. O legal da ideia é que não importa onde a música esteja, ela pode nos unir. E é isso que propõe o Playing for Change - songs around the word.

Músicos de todas os quatros cantos do mundo, conhecidos ou não, de todas as origens, credos, cores, culturas são convidados a partilhar da execução de uma mesma música, gravada em forma de vídeo e de CD em lugares diversos e mixadas num trabalhos que revela talentos incríveis.

O primeiro vídeo, uma versão incrível de "Stand by me", foi sucesso absoluto na internet e abriu espaço para as outras versões como "One Love", de Bob Marley e "Talk about a Revolution", de Tracy Chapman.

A diversidade de sons, instrumentos e interpretações nos toca profundamente não apenas pela qualidade das interpretações, mas pela sensação de pertencimento a um mundo mais interligado pelas coisas que valem a pena. Confiram.

domingo, 7 de agosto de 2011

A arte de Arthur de Pins


Arthur de Pins é um ilustrador francês com um talento muito especial, não apenas pelas suas temáticas picantes, mas pelo traço peculiar. Muitos de seus personagens têm linhas um pouco mais robustas que o padrão magricela da moda e que - sem perder o charme nem a sedução - tornam irresistíveis os volumes generosos de seus desenhos.
Seus trabalhos alcançam o erotismo com muito bom humor em histórias curtas de sua tiras de quadrinhos fantásticas. Brincando com temas do cotidiano, com cenas pitorescas da sexualidade (e da diversidade sexual) Arthur de Pins, vem se destacando como um dos ilustradores mais criativos das últimas décadas.
Conhecido mundialmente por seus trabalhos em publicidade, pelas suas histórias engraçadíssimas (Péchés Mignons) e outras áreas da ilustração Artur de Pins é um bom exemplo de carisma, técnica e criatividade. Vale conferir.

O Exercício do Olhar

Vez ou outra, escuto alguém dizendo que só intelectuais assistem aos filmes “de arte”, categoria na qual se enquadra a grande gama de filmes não-hollywoodianos, como os franceses, iranianos, alemães, chineses, entre outros.
Isso se deve, de um lado, pela predominância do filme norte-americano nas diversas janelas de exibição a que temos acesso (salas de cinema, DVDs, TV, internet), o que nivela o acesso a estilos e gêneros de filmes apenas pelo viés comercial, típico de Hollywood, e estabelece o senso comum sobre o olhar cinematográfico. Do outro, a linguagem desses filmes é construída geralmente por estruturas narrativas esquemáticas (poderíamos dizer seguramente “preguiçosas”), com fórmulas prontas, capazes de oferecer aos seus produtores um mínimo de risco ao investimento. Assim, nasceram mecanismos que garantiriam o modelo: o Star System, longo rol de atores e atrizes geradores de bilheteria pela simples presença no filme; as tipologias, como os gêneros de terror, comédia, aventura, romance, etc. que direcionam o perfil de público para as salas de exibição; e um formato de filmes que o público já absorveu há tanto tempo que mal se dá conta que foi fabricado especialmente para não se fazer notar.
Existem diversos formatos de filmes: curtas-metragens, médias-metragens, cinejornais (fora de uso nos dias atuais); documentários; filmes experimentais; e aquele que generalizamos, chamando-os unicamente de Filmes, e que são na verdade os longas-metragens (normalmente de ficção). Nesse último, persiste um mecanismo de linguagem conhecido como reiteração. Explico: a cada 15 ou 20 minutos da história, elementos centrais como “quem é o mocinho”, “quem é a donzela em perigo”, “onde ocorre a história”, “quem é o vilão” e “qual é o principal conflito do enredo” são reiteradamente pontuadas pela fala dos personagens ou quaisquer outros recursos narrativos. Observem bem e me digam depois se isso não é verdade.
Este instrumento foi criado justamente para não permitir a dispersão do conteúdo da história ao longo do filme, garantindo ao público – o que é mais importante – acompanhar a história a partir de qualquer parte do filme. Na lógica do cinema como indústria, a reiteração possibilitou que esses blocos narrativos pudessem sofrer cortes, pela inclusão de comerciais de TV ou inserção de outros produtos vendáveis nos intervalos, sem quebra ou interferência na linha narrativa da película.
Estes são alguns exemplos de fórmulas simples e eficazes que possibilitaram ao público o duvidoso costume de não ter que se aborrecer em raciocinar demais e simplesmente apreciar o que quer que fosse exibido dentro da sua linha de interesse (ou seja, aqueles tais gêneros que citei logo acima).
Desta forma, quando ouço que os ditos “filmes de arte” são coisas para intelectuais, ao invés de contrapor gratuitamente a ideia, sugiro sempre o exercício prazeroso de assistir a filmes fora da linha mais comercial, obras cujo conteúdo, linguagem, abordagem e estilos nos proporcionem outro tipo de entretenimento. Equivale dizer que cinema é um grato processo de educação, que nos permite avançar no conhecimento do mundo, nos abrindo imensas possibilidades da percepção de outros universos. Invariavelmente, esta tarefa é uma grata experiência.

Então, aí vão as minhas sugestões. Assistam com carinho; a nota quem vai dar são vocês.

- Cinema Paradiso (1988, Itália, Giuseppe Tornatore)
- Blow Up (1996, Itália/Inlgaterra, Michelangelo Antonioni)
- Amarcord (1973, Itália, Federico Fellini)
- O Fabuloso Destino de Amilie Poulain (2001, França, Jean Pierre Jeunet)
- Jules e Jim (1962, França, François Truffault)
- A Excêntrica Família de Antonia (1995, Holanda, Marleen Gorris)
- Lanternas Vermelhas (1991, China, Zhang Yimou)
- Dersu Uzala (1975, Japão, Akira Kurosawa)
- Filhos do Paraíso (1997, Irã, Majid Majidi)
- O Balão Branco (1995, Irã, Jafar Panahi)
- Mar Adentro (2004, Espanha, Alejandro Amenábar)
- Carne Trêmula (1997, Espanha, Pedro Almodóvar)
- Asas do Desejo (1987, Alemanha, Win Wenders)
- Corra Lola Corra (1998, Alemanha, Tom Tykwer)
- A Festa de Babete (1987, Dinamarca, Gabriel Axel)
- Dogville (2003, Dinamarca, Lars Von Trier)

Fonte: http://www.vitoriadaconquista.com.br/2010/12/14/o-exercicio-do-olhar/

A Falta que Nos Move, de Christiane Jatahy (Brasil, 2009)

por Eduardo Valente

E o teatro, o que é?

Quando sai da tela o último plano de A Falta que Nos Move, aparece um crédito que nos informa sobre os 10 “procedimentos” para sua realização. Trata-se de uma lista que inclui algumas das “regras do jogo” (do tipo “três câmeras rodando simultaneamente” ou “doze horas seguidas de trabalho”), além de outras questões que falam mais sobre estatutos referentes àquilo que acabamos de ver (“algumas histórias são verdade, outras não”). Mais do que explicar algo sobre o processo do filme a partir destes tópicos, porém, o que esta lista nos explica acima de tudo é algo que resideno simples fato da necessidade de sua existência em tela: A Falta que Nos Move é um filme-exercício, um filme-processo, um filme-dispositivo, e sem a explicitação de suas regras não faz sentido – talvez, e isso é sintomático e importante, menos para o espectador, do que para os responsáveis pela sua realização.

No entanto, e essa distinção é essencial, se falar das suas condições de realização é algo tão importante para o filme, é claro que A Falta que Nos Move poderia optar por expor estas regras de saída, colocando-as na tela antes do filme e não no final. Por que, então, esta escolha de expor esta lista só no fechamento. Claro, há a resposta mais óbvia e simples: porque assim o espectador pode ficar em suspense ao longo da projeção, tentando compreender por si mesmo algumas das condições que regem o comportamento e a ação em cena dos atores, e também da equipe técnica (câmeras “vazam” em quadro várias vezes ao longo do filme – mas de uma maneira bem radical logo nos primeiros planos, como se a dizer “olha, isso pode neste filme”; e a diretora “intervém” na ação através do envio de eventuais torpedos de celular para os atores/personagens).

Mas, se há este motivo prático compreensível para esta opção da exposição das regras no fechamento, ainda assim ela não deixa de ser altamente questionável, pelo simples fato de que é uma traição ao que o próprio filme parece querer afirmar como sua principal profissão de fé: o fato de que a arte da performance de um ator possui força tal que, mesmo assumida totalmente a falsidade da encenação (câmeras em cena, atores se referindo constantemente ao fato daquilo ser a realização de um filme), algo acontece ali em que intrinsecamente nós acreditamos. Mas, se isso é verdade mesmo, qual a necessidade então de atrelar o filme a esta exposição de regras ao final? Por que o espectador precisa de explicações, ainda mais na saída do filme, se supostamente o mistério e a indistinção sempre se afirmaram como potências em cena?
É neste ponto que voltar ao trabalho de Eduardo Coutinho (e não só o mais recente, em que propõe mergulho mais radical no estado de teatro inerente ao contato humano) se torna, embora a princípio óbvio, de fato inevitável ao falarmos do filme de Christiane Jatahy. Porque Coutinho sempre se pautou por esta ordenação simples e óbvia: primeiro, exponho as regras, depois vamos ao filme (metaforicamente falando já que, sim, as regras são parte do filme). Não se trata aqui, longe disso, de afirmar que tudo que Coutinho faz precisa ser seguido nem que estará sempre certo, mas apenas compreender que os motivos dele para esta opção são exatamente aqueles que expõem os limites de A Falta que Nos Move: aqui as regras precisam ser expostas só no final do filme porque, para ele, afirmar o caráter de exercício e de processo é mais importante do que realmente acreditar que, deste exercício e deste processo, pode sair algo tão naturalmente potente que seja mais poderoso do que suas próprias regras, ao ponto mesmo de independer delas. É aí que a equação se torna cristalina: quando, em Moscou, Coutinho primeiro expõe regras de um processo (ainda que um tanto confuso e incerto) e depois mergulha nas cenas, existe ali a afirmação de como estas cenas existem com força por si mesmas, capazes de suplantar mesmo as regras ou o processo. Já A Falta que Nos Move acaba regido pela lógica contrária: as cenas até podem ser potentes aqui e ali, mas ao fim e ao cabo o que temos de mais forte, da parte do espectador e do filme, é o interesse em entender (e explicar) as regras que levaram ao surgimento destas cenas. Ou seja: o processo é mais importante que o resultado, que o filme.
É nesse ponto, mais do que todos, que o filme se revela profundamente teatral, para além de sua origem ser uma peça (e sua diretora e atores figuras importantes da cena teatral carioca). Pois não importa que, em termos de linguagem, haja um esforço considerável para dar dinamismo ao que se vê, como se justamente nisso se buscasse fugir de possíveis engessamentos desta matriz teatral – usando, inclusive e sintomaticamente, verdadeiras autoridades de uma “linguagem cinematográfica brasileira atual” (nomes como Walter Carvalho na fotografia ou Sérgio Mekler na edição - e, de fato, o primeiro e seus câmeras encontram soluções de iluminação e quadro bastante bonitos, assim como o segundo consegue impor à dinâmica interna das cenas um ritmo e uma lógica bastante interessantes). Afirmamos que não importa porque o que há de teatral no filme antecede e se sobrepõe a qualquer linguagem: é o seu projeto, que perde um tanto do sentido quando não é mais algo que acontece a cada noite num palco, como no teatro, mas sim eternizado em apenas um estado (um “corte”, para sermos técnicos), como exige o cinema. Eternizar este um corte significará, sempre, que o cinema continua sendo, queira-se ou não, a arte do diretor: uma onde pode-se até colocar o ator como parte essencial da sua criação, para além da sua performance (afirmando, por exemplo, um trabalho coletivo de escritura de roteiro), mas ainda assim ele, o ator, não será o dono do poder sobre o discurso - como é no teatro.
Parece muito justo, então, que o momento mais forte de A Falta que Nos Move seja aquele em que a câmera recue de sua movimentação constante de cena e se coloque, como no teatro (clássico), frontalmente à cena, parada, observando o fenômeno da performance dos atores que choram, dispostos lateralmente, sentados num sofá. Ali, finalmente, o filme assume, para além de qualquer exercício e qualquer processo, aquilo que ele pode afirmar de mais potente - e com o que ele parece brigar ao longo de toda sua duração: o poder do ator sobre o olhar que se deita sobre ele. Ali, finalmente, não importa o quanto saibamos que o choro é colocado em cena para nós, e só para nós (um dos personagens, exercendo ali o papel de diretor, pede literalmente que todos se sentem e chorem): ele pode emocionar mesmo assim, porque a verdade ou não de sua origem é menos importante do que a verdade da sua existência física, pela encenação e pela atuação. Esta é a essência do teatro (e, sim, em grande parte do cinema de atores), e quando A Falta que Nos Move atinge a essência de sua própria arte, ele finalmente parece tranquilo e vivo. Mas na maior parte de sua duração ele só transmite mesmo todo o suor e esforço que se está dispendendo para tentar criar em tela essa vida e potência que, afinal, nos melhores casos, não precisa tanto assim de ser teorizada, exposta ou "metalinguisticada": ela é - ou não.
Setembro de 2009
Fonte:http://www.revistacinetica.com.br/afaltaquenosmove.htm

Música Latina



Sou meio viciado em descobrir músicas novas... nada muito rebuscado, na maioria das vezes, mas que valem algumas horas de pesquisa. Tenho um ecletismo arraigado, mas não nego: gosto muito de músicas pop, embora tenha critérios bem definidos, tem que ter algum conteúdo, nada que propicie congestão, dor-de-cabeça ou vergonha alheia (sim, porque determinadas músicas fazem com que a gente sinta vergonha pelo outros).

Por isso, vivo rondando por aí, fuçando a web pra descobrir alguns sons novos ao meu ouvido.

Nos últimos tempos venho colocando no meu fone de ouvido sons que têm oxigenado meu acervo e que vale a pena repartir. Aí vai uma listinha só com o que andam fazendo os nossos vizinhos latinos. Dá uma olhada:

Orishas

Gotan Project

Esperanza Spalding

Café Tacuba

Buena Vista Social Club

Ibrahim Ferrer

Maná

Lila Downs

Fito Paez

Fabiana Cantilo

O Genial mestre didático do Cinema Mundial

Você sabe a diferença entre um filme de mistério e um filme de suspense?

Considere a seguinte cena: um ônibus sai da garagem da sua empresa por volta das 6h30 da manhã. O motorista segue para o primeiro ponto e apanha alguns passageiros. Entram dois estudantes adolescentes, uma senhora idosa, uma mulher gorda puxando pela mão um menino que carrega uma mochila. Estes últimos sentam-se numa das poltronas do início do veículo, mas, desconfortáveis, mudam-se para a parte de trás do ônibus. O motorista dirige para mais dois pontos apanhando passageiros, e no segundo, um homem de paletó olha para o relógio, apalpa o bolso, faz sinal de que esqueceu algo importante, se vira e deixa o ônibus passar. O veículo segue e pára em frente ao sinal fechado. O relógio da rua marca sete horas em ponto. Sincronicamente ao abrir do sinal, o ônibus explode.

Como e por que razões este fato culminante ocorre é a questão chave da cena que definimos como misteriosa.
Agora pensemos a mesma cena sobre um ângulo diferente: às três horas da madrugada, um homem vestido de preto salta o muro de uma empresa de transporte urbano. Dirige-se para a garagem e prende sob o assoalho de um dos ônibus, um pacote cheio de fios onde um teclado é acionado, cravando em dígitos vermelhos o horário das sete horas. Pela manhã o mesmo ônibus sai e vemos o percurso que este faz apanhando seus passageiros. Um a um todos entram e se acomodam. Contamos cada novo passageiro, sabendo o que os espera. Vemos ainda que a senhora gorda e a criança acomodam-se na exata poltrona acima de onde foi escondida a bomba, mas logo em seguida, para alívio de quem assiste, muda de lugar. Vemos mais passageiros entrarem e o homem que, por um átimo de sorte, esquece algo e resolve não subir na condução. Depois só a explosão.
A mesma história, o mesmo fim, expectativas diferentes. Expectativas estas que moldam a diferença entre o gênero de mistério e suspense. No cinema mundial, o maior expoente da narrativa de suspense entrou para a posteridade com um estilo inconfundível, uma técnica impecável, que inspirou e formou dezenas de outros grandes diretores depois dele e mudou a relação do filme com seu público: com vocês, Sir Alfred Hitchcock.
Barrigudo. Muito longe de ser bonito. Careca. Beiçudo. Quase sempre de cara feia. E mesmo assim adorado em toda Hollywood e na filmografia mundial. Este belo espécime das películas é um dos gênios mais consagrados do cinema de todos os tempos pela capacidade inquietante e didática de narrar histórias. Ficou conhecido (para a além da sua clássica silhueta em perfil) como o Mestre do Suspense. Sua filmografia data dos tempos do cinema mudo e segue para depois da revolução do som e da cor nas salas de exibição.
O diretor inglês Alfred Hitchcock fez de sua obra uma constante homenagem ao público de cinema. Manipulava os sentimentos da plateia, conduzia-os aonde queria, ditava o tempo em que respiração devia-se manter suspensa, comandava os sustos e o medo de cada um como um maestro faz com sua orquestra. Foi o responsável por uma filmografia repleta de simbologias, simetrias, sem excessos de quaisquer tipos (personagens, texto, sons, cenários), dando uma aula a cada nova obra de como contar uma história em filme. Definiu o estilo de pirâmide invertida para apresentar suas narrativas, do geral para o específico, do maior cenário ao menor detalhe, compondo um elenco de informações enxutas em que nos conta, com absoluta didática, quem são os personagens e suas características principais, quando e onde ocorrem o enredo e a trama principal. Tudo isso apenas nos primeiros minutos de exibição. Sua vasta obra, sua maneira didática (e quase esquemática) foi matéria prima de histórias que trilhavam lógicas e cenários que só existiam para garantir o início, meio e fim no universo de sua própria narrativa.
Uma das cenas mais clássicas da história do cinema, no filme Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), Hitchcock mostra a reação emocional do público na sala de cinema na figura do personagem vivido pelo ator James Stewart: o fotógrafo bisbilhoteiro Jeffrey cisma que um de seus vizinhos (ao qual espionava há dias pela janela do seu apartamento) poderia ter matado a esposa e acaba por deixar que sua namorada (a linda Grace Kelly) invada a residência do suspeito em busca de provas. Durante a invasão, Jeffrey assiste pela ampla janela de seu próprio apartamento, impotente, a chegada inesperada do suspeito na casa sem poder avisar ou interferir no enredo à sua frente. Como num cinema.
Hitchcock ainda foi diretor de filmes emblemáticos como Festim Diabólico (Rope, 1948), Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958), Psicose (Psycho, 1960), Os Pássaros (The Birds, 1963) e muitos outros que puseram para sempre sua silhueta nas telas do cinema mundial.
Para quem gosta de cinema e quer aprender como se faz um filme, assistir a seus filmes é um exercício (prazerosamente) obrigatório.

Que som tem a sua lembrança?

Dos nossos cinco sentidos, a visão e a audição são os dois canais de captação mais sensíveis à realidade que temos, presentes na formação da nossa memória: o que vemos e ouvimos são responsáveis por mais de 80% de nossa retenção mnemônica. O cinema e demais obras audiovisuais (a TV, a propaganda, os vídeos de internet, entre outros), elaboradas como uma construção – ou reconstrução – do mundo que nos cerca, são, por excelência, um universo de estímulos à nossa percepção, abertos à imaginação e a linguagens múltiplas.
Não é à toa que nossa memória tem trilha sonora.
- The Godfather – theme: Marlon Brando é, ainda hoje, a imagem central de “O Poderoso Chefão” (Francis Ford Coppola/ 1972), com sua “generosidade” apadrinhada, sua posição de respeito e medo. A força da música tema ainda pesa na memória de todos, muito embora em todas as três histórias da saga dos Corleone, seja de Michael Corleone o verdadeiro chefão da máfia. Marlon Brando – e suas bochechas – são, no entanto, inesquecíveis.
- Do-Re-Mi: Em “A Noviça Rebelde” (Robert Wise/ 1965), as aventuras da família Von Trapp (baseada em fatos reais) divertiu, e ainda diverte, o mundo inteiro com as aulas lúdicas e musicais da irmã Maria (Julie Andrews).
Você pode não saber o nome da música, ou ter referências vagas como “aquela do filme Top Gun”, mas na deixa de ter consciência que as trilhas sonoras compõem boa parte das nossas lembranças audiovisuais: temas de filmes, novelas, seriados, programas de TV. Recorrendo ao chavão “recordar é viver” podemos lembrar com muito prazer algumas trilhas de filmes que marcaram a história do cinema com merecida nostalgia. Para quem não conhece a música pelo nome, pesquise e ouça pela web nos diversos serviços online disponíveis; vale cantarolar, se não souber a letra!
- Love Story – theme: se tem música que foi feita para pegar de jeito, esta foi sem dúvida a intenção da música tema de “Love Story – História de Amor” (Arthur Hiller/1970). Hoje em dia ainda tem gente que chora só de ouvir o primeiro acorde.
- Punpkin and Honey Bunny Misirlou: uma coisa não se pode negar… os filmes de Tarantino têm trilhas sonoras que dão margem, no mínimo, para fazer um filme independente com cada uma de suas músicas. Em “Pulp Fiction – Tempo de Violência” (Quentin Tarantino/ 1994), a escolhas das músicas, a narrativa não-linear e o universo hardcore e violento dão o tom certo às histórias malucas do cineasta americano.
Bem como o assunto ainda dá muito pano pra manga (ou ouvido pra música) seguem mais alguns:

Singing in the Rain: Cantando na Chuva (Gene Kelly e Stanley Donen/ 1952); 
The Pink Panther – theme: A Pantera Cor-de-Rosa (Blake Edwards/ 1963);
Raindrops Keep Fallin’ On My Head: Butch Cassidy and the Sundance Kid (George Roy Hill/ 1969);
Live and Let Die: 007 – Viva e Deixe Morrer (Guy Hamilton/ 1973);
Rocky – theme: Rocky – Um Lutador (John G. Avildsen/ 1976);  
Night Fiver: Os Embalos de Sábado a Noite (Nik Cohn/ 1977);  
Star Wars – theme: Star Wars (George Lucas/ 1977);
Summer nigth: Grease, nos Tempos da Brilhantina (Randal Kleiser/ 1978);  
Maniac: Flashdance – Em Ritmo de Embalo (Adrian Lyne/ 1983);  
Purple Rain: Purple Rain (Albert Magnoli/ 1984);

Ghostbusters - Os Caça Fantasmas (Ivan Reitman/ 1984);
Do You Remember: Karate Kid – A Hora da Verdade (John G. Avildsen/ 1984);  
Footloose: Footloose – Ritmo Louco (Herbert Ross, 1984);  
(I’ve Had) The Time of My Life: Ritmo Quente (Emile Ardolino/ 1987);  
Unchained Melody: Ghost – do Outro Lado da Vida (Jerry Zucker/ 1990);
Pretty Woman: Uma linda Mulher (Garry Marshall/ 1990);  
My Girl: Meu Primeiro Amor (Howard Zieff /1991);  
I Will Follow Him: Mudança de Hábito (Emile Ardolino/ 1992);  
I Wil Always love You: O Guarda Costas (Mick Jackson/ 1992);  
Streets of Philadelphia: Filadélfia (Jonathan Demme/1993);  
I Will Survive: Priscilla – A Rainha do Deserto (Stephan Elliott/ 1994);  
The Circle of Life: O Rei Leão (Roger Allers e Rob Minkoff/ 1994);  
My Heart Will Go on: Titanic (James Cameron/ 1997);  
I Say a Little Prayer: O Casamento do Meu Melhor Amigo (P.J. Hogan/ 1997);  
Lady Marmalade: Moulin Rouge – Amor em Vermelho (Baz Luhrmann/ 2001);  
All Star: Shrek (Andrew Adamson/2001);  
All That Jazz: Chicago (Direção: Rob Marshall/ 2002);
I Like to Move It: Madagascar (Eric Darnell, Tom McGrath/2005).

Para os mais curiosos, a fim de testarem a memória, aí vai a sugestão de um Quiz sobre trilhas sonoras de filmes e seriados: Flash Quiz
Depois postem a pontuação de vocês aqui, combinado?