terça-feira, 9 de agosto de 2011

Em que pese olhar o Brasil mais de perto

Por Luciana Oliveira (colaboração de Marcelo Lopes)

Sérgio Buarque de Holanda, em seu célebre livro Raízes do Brasil, publicado em 1936, aborda aspectos fundamentais para entender o Brasil. A herança da colonização portuguesa e a dinâmica dos arranjos e adaptações que marcaram as transferências culturais de Portugal nos ajuda a entender certos patrimônios nacionais. Aborda principalmente como o brasileiro se tornou incapaz de separar seus interesses da esfera particular dos da esfera pública, dando origem ao famigerado “jeitinho brasileiro”. O livro também ajuda a entender como a corrupção é hoje um fenômeno enraizado na sociedade brasileira. Ao destrinchar a história ele consegue demonstrar como construímos esse patrimônio nacional. Nesse sentido, é um pouco desolador pensar que algo tão depreciativo para o país, como é a corrupção, o é por estar tão arraigado em nós.
Mas, ao retornarmos ao caso da Lei da Ficha Limpa, um fio de esperança nos anima porque a vontade social de superação parece não se encerrar num determinismo histórico. A população, ou parcelas significativas dela, não admitem a impunidade política. Num país em que somos obrigados a votar, é de dar náuseas acompanhar certos certames eleitorais. Testemunhar o retorno de algumas figuras a cargos públicos após escândalos homéricos de corrupção certamente não é o melhor caminho para o já bastante propagado Brasil do Futuro. E foi na esteira dessa indignação coletiva que milhares de brasileiros sinalizaram que exigiam mudanças no jogo. Quando mais de um milhão de pessoas se associam reivindicando mudanças algo não vai muito bem. Infelizmente, a lei sofreu alterações por parte do Congresso, sob certa “interpretação providencial” da Justiça. É bem verdade que a aplicação dela está longe do que almejávamos, mas foi um esforço válido.
A participação cada vez maior da sociedade civil organizada nos processos de decisão dos governos não é um fenômeno localizado, é uma realidade dos países democráticos. Naturalmente que essa participação foi conquistada e não cedida gentilmente pelos líderes políticos. Acredito que as pessoas estão se organizando mais em reposta ao que chamo de incompetência governamental. Parece sintomático o fato de que os estados já não conseguem mais dar conta dos anseios da população. Bem, eles foram capazes em algum momento?

Não consigo quantificar os inúmeros “elefantes brancos” espalhados pelo Brasil afora, como no exemplo do metrô de Salvador, em obras há dez anos, sem previsão de término. É claro que por trás da incompetência residem outras patologias, corrupção é uma delas. Assim, Sérgio Buarque de Holanda parece estar certo; a corrupção é mesmo um “traço nacional”. No entanto, nem todo brasileiro comunga dele. Os brasileiros têm se organizado para protestar e construir novas formas de estar no mundo. Ao que parece, o atual sistema de representação não reflete mais a nova forma de estar no mundo, o que obriga necessariamente a sociedade refletir sobre esses tempos modernos e quais outras formas de organização são mais eficazes. Se o caminho não é instituir um sistema totalmente diferente só nos resta uma reforma desses representantes.
Ao que parece, nossa capacidade tecnológica atual de ocupar espaços privados – nos quais nossos próprios representantes se resguardavam – fornece ao cidadão comum certo dom de onipresença, capaz de gerar informação, que se transforma em conhecimento e nos faz aprender. Brasília já não é mais uma ilha: hoje vive sob os olhares de milhões de câmeras particulares, é comentada pelas redes sociais, analisada pelo homem comum, indignado, propenso a manifestar-se de modo efetivo em reação a este mundo aparentemente sem jeito. Saber mais nos impele a mudar, a revirar a lógica da nossa herança ibérica e avançar. Uma crise silenciosa que não deixa de ser notada, embora não crie estardalhaços pelas ruas. É possível que adolescência brasileira esteja sendo encurtada pela velocidade da Era da Informação. Talvez não tenhamos, assim, os arroubos da puberdade, mas já demonstremos algum traço de maturidade que, em algum momento próximo, nos salve de tanta corrupção.


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