sexta-feira, 18 de novembro de 2005

O que você quer...

O que você quer
Você não deixa de querer tão fácil
Bêbado você ainda quer
Em perigo você quer
Perdido você ainda quer
O que você quer
O que você quer mesmo
Permanece em você, todo mundo vê
Na cadeia você não deixa de querer
No hospício não deixa de querer
No inferno, ainda quer
O que você quer
O que você quer
O que você quer de verdade
O que você quer
O que você quer de verdade
O que você quer
O que você quer
O que você quer
Estará com você quando você se lembrar
O que você quer
Estará em você quando você não se lembrar
O que você quer
O que você quer de verdade
O que você quer
O que você quer de verdade
O que você quer
O que você quer
O que você quer não perde no baralho,
Dinheiro não compra
Conselhos não matam
O tempo não toma o que você quer
Cego você continua querendo
Velho você continua querendo
Onde você estiver
Continua sendo
O que você quer
O que você quer
O que você quer de verdade
O que você quer
O que você quer de verdade
O que você quer
O que você quer


(Rita Lee)

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Me aparece cada uma!

Quando a gente se vê numa situação nova, cada pequeno detalhe da nossa atenção para as coisas que nos cercam  funciona quase como uma revelação bíblica a cada esquina. A "mensagem" que nos fala tão claramente, que nos diz que somos, os porquês e nos dá a luz para o dia-a-dia pode vir em forma de qualquer coisinha: da bula de remédio a um livro ou filme, de uma palavra certa (vinda do lugar errado) até o formato do desenho do cocô de passarinho que sujou sua camisa pela manhã.

Hoje, na minha muitíssima situação de regresso ä vida de solteiro, me deparei com essa:


" Quem alisa os meus cabelos?
Quem me tira o paletó?
Quem, à noite, antes do sono,
acarinha meu corpo cansado?
Quem cuida de minha roupa?
Quem me vê sempre nos sonhos?
Quem pensa que sou o rei desta pobre criação?
Quem nunca se aborrece de ouvir minha voz?
Quem paga meu cinema, seja de dia ou de noite?
Quem calça meus sapatos e acha meus pés tão lindos?

Eu mesmo."

(Millôr Fernandes)


......Sacanagem, né?

Pátria muito minha

Há pouco tempo
Tempo pouco
Fiz (e venho fazendo)
Um caminho de volta.
E me vejo revendo gentes

Lugares, sorrisos
Circunstâncias
Desejos e sonhos já
Um tanto esmaecidos pelo tempo...



*********



Pátria minha



A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes."


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... Eis-me, hoje,
de retorno a mim mesmo.