segunda-feira, 11 de junho de 2007

Eis que um dia eu criei o Barba Ruiva

No meio de um monte de histórias malucas que vez ou outra me saltam a mente, algumas delas praticamente vem sozinhas.

Personagens que já nascem feitos, cheios de si e de uma personalidade tão forte que eu quase me sinto usado. No meio disso tudo, sou só o cara que escreve e de vez em quando recebe algum trocado de alguns desses personagens pra não fazer greve...

Um dia desses, vcs vão ver, eu ainda tomo coragem e reivindico deles minha carteira assinada.



Eis o Barba..............



Matei minhas sete esposas



Quero crer que apresentar-me será de bom tom.

Venho de longe, a instalar-me nos recintos

À cata de vinho e mulheres

Pois que, asseguro, tenho o dom

De possuí-las por essência e fixar residência

Em seus corpos, tê-las no todo e em seus focos,

Tomar-lhes o espiritual e dar-lhes a carne minha

Do crepúsculo, já à tardinha, ao dia que raia com o sol matinal.



Revelo, porém, desde já, que assumo (mal feito, mal feito está),

Matei com apuro e resumo as sete esposas que tive.

Atesto, sem reclamar, nem por deslize, o que fiz a cada uma,

Pois que os extremos vieram se aninhar a mim no destino de matar

E o fim de todas elas teve sim a marca do que é livre.

A mim se entregaram de bom grado, vindas de carro ou montadas num asno.

Tiveram todas fins comuns, pois morreram todas

Com algum tipo definido de orgasmo.



- A primeira, teve fim na força descomunal das mulheres sem freio, fogosa:

Das que perdem o arreio e se mata porque goza.



- A segunda, bateu-se estrebuchando, num espasmo profundo,

A cabeça à ponta da cama. Findo o gozo, findo o mundo.



- A terceira, rameira... gozava de amar, vivia de dar

Morreu assada, depravada, de tanto gozar a noite inteira... em plena quarta-feira!



- A quarta, gemia pouco, gozava muito, mal se ouvia, a pudica

Explodiu por tal pressão, estremelicando à louca até o banheiro, perto da bica.



- A quinta, invasora, tinha ganas de macho. Queria-me mulher.

Dei-lhe um garrote, e comi-la em pé. Gozou até a morte, de olho num serrote

Que se via bem ali, junto a parede, no sopé.



- A sexta, miúda, nem cabia em si. Cristalina, urrava em uníssono com os pássaros,

Cantolava e bebericava vinho à croissants. Morreu engasgada entre dois ou três ham-hãns.



- A sétima, morreu a mais de um ano. Comi-lhe a cona e o culo... fodi-lhe dias e dias sem sossego.

Dia e noite, nos domingos e feriados. Parei por ocasião do Natal, chamou-me de viado.

Dei-lhe um tiro nas fuças. Também sou humano.



Eis que narrada minha trajetória, espero aqui também fazer história.

Não procuro mais esposas, mas não nego a espada que porto em aventuras,

Envergada e cintilante, em riste e de consistências duras.

Aviso aos confrades dessa aldeia de gentis, estou de passagem, mas consolado.

Ergo minha taça, cumprimento às moças e aviso aos moços,

Sinto-me honrado pelo tempo que estiver aqui ao lado.

Azul e Amarelo

(Cazuza/ Lobão/ Cartola)


Anjo bom, anjo mau

Anjos existem

E são meus inimigos

E são amigos meus

E as fadas

As fadas também existem

São minhas namoradas

Me beijam pela manhã

Gnomos existem

E são minha escolta

Anjos, gnomos

Amigos e amigos

Tudo é possível

Outra vida futura, passada

Viagens, viagens

Mas existem também drogas pra dormir

E ver os perigos no meio do mar

No sono pesado, tudo meio drogado

Existem pessoas turvas, pessoas que gostam

E eu tô de azul e amarelo

De azul e amarelo

Senhores deuses, me protejam

De tanta mágoa

Tô pronto para ir ao teu encontro

Mas não quero, não vou, não quero

Não quero, não vou, não quero

domingo, 10 de junho de 2007

Alguns motivos para ler Cem Anos de Solidão



Gabriel García Márquez fez de Cem Anos de Solidão um paradoxo, por contar uma história de memórias em vidas que seguem rumo à descontinuidade e ao esquecimento, pela impossibilidade de amar de forma duradoura. Entre alegorias, momentos de uma realidade fantástica e o cotidiano quase comum, que sentimos envelhecer junto com os membros da família Buendía, a cidade de Macondo nasce, cresce e definha no espaço de um século. O tempo se materializa como o narrador invisível da efemeridade de pessoas que se desfazem pelo ar, de uma Insônia/praga que anuncia sutilmente não haver descanso presente ou vindouro para os que ali vivem, de nomes que se repetem a cada geração como se tentassem congelar a existência numa tradição sem substância. Um livro de memórias imaginadas, tão fugazes como só a imaginação é capaz de ser, mas que se tornou real em vivências imateriais, entre a intensidade daquilo que foi quase amor, por ser paixão, e de paixões que duraram mais de que o tempo de vidas inteiras.

Jesus no Xadrez

Por Chico Pedrosa
No tempo em que as estradas
Eram poucas no sertão
Tangerinos e boiadas
Cruzavam a região
Entre volante e cangaço
Quando a lei
Era a do braço
Do jagunço pau-mandado
Do coroné invasô
Dava-se no interiô
Esse caso inusitado

Quando o Palmeira das Antas
Pertencia ao capitão
Justino Bento da Cruz
Nunca faltô diversão
Vaquejada, canturia
Procissão e romaria
sexta-feira da paxão

Na quinta-feira maió
Dona Maria das Dores
No salão paroquial
Reuniu os moradores
Depois de uma preleção
Ao lado do capitão
Escalava a seleção
De atrizes e atores

Todo ano era um Jesus
Um Caifaz e um Pilatos
Só não mudavam a cruz
O verdugo e os maltratos

O Cristo daquele ano
Foi o Quincas Beija-flor
Caifaz foi Cipriano
Pilatos foi Nicanô

Duas cordas paralelas
Separavam a multidão
Pra que pudesse entre elas
Caminhar a procissão

Quincas conduzindo a cruz
Foi num foi adivirtia
O Cinturião perverso
Que com força lhe batia

Era pra bater maneiro
Bastião num intidia
Divido um grande pifão
Que tomou naquele dia
D'um vinho que o capelão
Guardava na sacristia

Cristo dizia:
- Ô rapais, vê se bate divagar
Já to todo incalombado
Assim num vô agüentar
Tá cá gota pra duer
Ou tu pára de bater
Ou a gente vai brigar
Jogo já essa cruis fora
Tô ficando aperriado
Vô morrê antes da hora
De ficar crucificado

O pior é que o malvado
Fingia que num ouvia
E além de bater com força
Ainda se divirtia
Espiava pra Jesus
Fazia pôco e dizia:
- Que Cristo frôxo é você?!
Que chora na procissão
Jesus, pelo que se sabe
Num era mole assim não
Eu to batendo com pena
Tu vai vê o que é bom
Na subida da ladeira
Da venda de Fenelom
O côro vai ser dobrado
Até chegar no mercado
A cuíca muda o tom


Naquele momento ouviu-se
Um grito na multidão
Era Quincas
Que com raiva
Sacudiu a cruz no chão
E partiu feito um maluco
Pra cima de Bastião
Se travaram no tabefe
Pontapé e cabeçada
Madalena levou queda
Pilatos levou pancada
Deram um cacete em Caifaz
Que até hoje num faz
Nem sente gosto de nada

Dismancharam a procissão
O cacete foi pesado
São Tumé levou um tranco
Que ficou desacordado
Acertaram um cocorote
Na careca de Timote
Que inté hoje é aluado

Inté mesmo São José
Que num é de confusão
Na ânsia de defender
Seu filho de criação
Aproveitou a garapa
Pra dar um monte de tapa
Na cara do bom ladrão

A briga só terminou
Quando o dotô delegado
Interviu e separô
Cada santo pro seu lado

Desde que o mundo se fez
Foi essa a primêra vez
Que Jesus foi pro xadrês
Mas num foi crucificado


(Cordel do Fogo Encantado)