Por Marcelo
Lopes
Não
existe nada mais na moda que a originalidade. Isso tem vínculo direto com o
reconhecimento e a valorização da identidade de qualquer manifestação concreta,
seja de uma personalidade ou de um povo. E por isso fico aqui pensando com meus
botões (na verdade, fico coçando a barba) em que medida se pesam iniciativas
“legítimas” como as que hoje querem trazer de volta a micareta a Vitória da
Conquista.
Arquivo /PMVC |
Vejamos:
entre as décadas de 1980 e 1990 a micareta surgiu no Brasil como um fenômeno
que criava alternativas para que cidades do interior pudessem ter em suas
festas de rua artistas festivos conhecidos do grande público e que, de outra
forma, não achavam economicamente interessante deixar os grandes centros durante
o carnaval para pautarem shows em municípios menores. Daí, o carnaval fora de
época: a oportunidade de movimentar um mercado doze meses por ano em todo lugar
do país, girando recursos em todos os setores das economias locais. Uma ideia
interessantíssima enquanto durou, mas uma febre, que como toda febre que não
passa, mata ou sequela.
Em
Conquista a fórmula se desgastou paulatinamente – como, aliás, em praticamente todo
o país. Os blocos foram se escasseando, as atrações se polarizando em um ou
outro produtor mais articulado e a programação se tornou um desfile das mesmas
coisas, sem novidades, diversidade ou esforços para se reinventar. Os últimos
suspiros da micareta conquistense tiveram, por parte do poder público, atrações
como Daniela Mercury e Dudu Nobre, tendo este último como uma tentativa de
fugir da mesmice das programações anteriores. A derradeira tentativa de manter
vivo o evento na cidade ocorreu em 2008, com ínfima participação de empresários
do setor – a maioria preferiu agendar programações privadas após a data da
micareta – e um minguado público que circulou nas imediações do Parque de
Exposições.
Os
anos seguintes já revelavam que a micareta não era há muito tempo o único
caminho de trazer para a cidade atrações que antes povoavam as festas
carnavalescas fora de época: em todos os meses do ano, as iniciativas privadas
do ramo do entretenimento garantiram figuras artísticas do circuito comercial
no calendário das chamadas festas de camisas, com nomes de destaque do axé
music, sertanejo, pagode e adjacências, cobrando valores consideráveis nos
ingressos de eventos de grande porte, registrando inclusive - e durante muito
tempo - sérios problemas para cumprir a venda de meia-entrada, garantida por
lei.
De
lá para cá, o mercado do entretenimento veio se profissionalizando, as tecnologias
se fizeram mais acessíveis para estruturas de eventos de pequeno, médio e
grande porte, tornando uma realidade o surgimento de novos produtores e
realizadores. O circuito de eventos na cidade se acentuou e – principalmente –
se diversificou, fazendo de Vitória da Conquista o polo mais destacado da
produção cultural do interior do estado.
Muito
pesou também o entendimento da administração pública municipal com sua política
de eventos nos últimos anos: atividades como o Natal da Cidade e o resgate do
São João tradicional, entre outros, demonstraram que o papel do executivo das
políticas públicas é o de efetivação dos valores regionais, e que é possível
agregar cultura de identidade com entretenimento. Este entendimento também é
expresso pelas diretrizes do próprio Ministério da Cultura: que iniciativas autossustentáveis
e comerciais como artistas, estilos da moda e/ou outras manifestações voláteis de
fins exclusivamente de mercado não devem fazer parte das políticas de incentivo
e fomento. Daí estas iniciativas não serem contempladas em editais públicos
para cultura, uma vez que estas linhas de fomento visam, entre outros aspectos,
preservar estimular, registrar e articular manifestações espontâneas da cultura
popular que, eventualmente e por efeito colateral, podem ou não encontrar
ressonância com iniciativas de mercado.
Foto/ Blog do Anderson |
Quando
se levanta novamente a discussão sobre se Conquista deve ou não ressuscitar a falida
Miconquista, sob a alegação do interesse popular, tudo o que me vem à cabeça é a
lembrança recente de um fevereiro de 2012: saindo da praça em frente o Tiro de
Guerra, numa tarde de segunda de Carnaval, o bloco Bloco Curtaki, com a
tradicional Banda Seca Gás & Banda de Sopro desceu a Rua dos Andrades rumo
à Barão do Rio Branco, no Centro. Com uma divulgação precária, um boca-a-boca
solidário e recurso quase nenhum, um mundo de gente de todas as idades,
adultos, crianças, cores, partidos e orientações sexuais, espontaneamente
fantasiados, encheu o feriado vazio de uma cidade sem carnaval ao som das
velhas marchinhas. Até ali, eu e meio mundo de gente, não havia percebido na
pele o quanto estas manifestações espontâneas dos dias pândegos e mundanos do
carnaval nos faziam falta.
Foto/ Blog do Anderson |
Esta
não é uma constatação da minha história pessoal - que viveu a adolescência justamente
se acabando nas festas de micareta, o auge da dinâmica cultural da época - é
uma constatação cultural, de uma carência de sentidos, de partilhas em momentos
menos comerciais e mais valiosos. Momentos que podem ser vivenciados por Seu Cicrano
ou Beltrano, que os viveu há cinquenta anos, mas também pelos meus filhos, de
onze e oito anos, que nunca puderam sentir essa sensação de festança carnavalesca
democrática na cidade onde nasceram.
Medidas
sejam dadas: existe espaço para todos, para os que lucram, para os que
especulam, para os que trabalham, os que prestam serviços e o que se divertem.
A realidade de hoje permite que isso ocorra a qualquer tempo no calendário da
cidade, mas efetivamente não cabe ao poder público reativar um evento como um
carnaval fora de época, quando o mais verdadeiro manifesto da vontade popular
se faz sozinha e nem mesmo ocorre fora de época.
Não
há nada errado em querer reviver um passado lucrativo, mas isso não é papel do
poder público. Existe uma clara diferença entre Bem Cultural de interesse público
e produto de consumo público e mercadológico, qualquer que seja sua natureza, embora
muitos dos que se filiam a esta proposta anacrônica façam de conta que não saibam. É sobre isto que este texto fala.
E
viva o Seca Gás!
Marcelo, obrigada pela deliciosa reflexão sobre um assunto tão importante. Eu também estava lá, com minha família e nossa inseparável camisa tricolor - baêa doente que somos - e vivemos essa alegria que vc relata e fomos assim mesmo, convidados por amigos, para fazer aquilo que se fazia antes e cujo termo até faz rir: brincar o carnaval. Acho suas reflexões muito lúcidas, porque no fundo sempre achei perigoso uma cidade crescer sem uma festa do desbunde, uma festa de rua, sem pecado e sem pudor (guardando todas as proporções, né gente!). Acho o carnaval um dos órgãos mais importantes do organismo vivo que é uma sociedade. Sempre lamentei as festas fechadas, de camisa, os carnavais in-door (meu deus que antítese!) e nunca tinha conseguido, como você, avaliar tão bem a relação bem público e geração de renda (ou melhor, de lucro, muito lucro). É isso ai. Virei leitora! Abraços.
ResponderExcluirValeu, Adriana...
ResponderExcluirMais do que histórias de vida, falamos de perspectivas de continuidade de uma vivência a que temos direito, para além dos interesses de mercado, que nos empurram tudo o que acham que devem sem nos perguntar o que queremos e se queremos.
Espero que nossas opiniões se alinhem quando, de fato, este assunto chegar ao poder público.
Um abraço!
Excelente matéria, Marcelo!
ResponderExcluirParabéns!
Muito bom Tchellãos!! Como sempre, seus textos e críticas são fantásticos. Parabéns!!
ResponderExcluirAh, Adriana Amorim, em breve estará chegando em Conquista mais uma família apaixonada pelo nosso Tricolor de Aço. rsrsrs
U-hu. Vamos receber o tricolor quando vier encarar os times daqui. Nos outros jogos a gente torce pelos da casa! Sobre tudo contra o vicetória, hehehehehe!
ExcluirMarcelo, parabéns pela reflexão. Eu também penso igual a você, só não tenho a sabedoria de explanar do jeito que fizestes. Excelente matéria.
ResponderExcluirMuito bom texto meu amigo. Como sempre, trazendo informação e cultura.
ResponderExcluirValeu, galera...
ResponderExcluirAcho mesmo que o papel da gnt que curte cultura - e sabe da importância de tudo isso - é pontuar questões que valem à pena (e até algumas que nem valem tanto, mas são divertidas, hehehe).
O fato é que se a gnt não se expressa e deixa que digam qualquer coisa como a ideia ou a pauta da vez, essas coisas que valem a pena nunca serão levadas à sério. No lugar delas a gnt só vai ouvir propostas sem pé nem cabeça ou comentários do BBB.
Valeu pelas postagens, mais uma vez!
Informação adicional importante:
ResponderExcluirO Bloco Curtaki divulga a programação 2013
DIAS 10 E 12 DE FEVEREIRO - VITÓRIA DA CONQUISTA. O AUTÊNTICO CARNAVAL DE RUA COM PARTICIPAÇÃO POPULAR. ENTRADA FRANCA. DOMINGO E TERÇA DE CARNAVAL. VISTA SUA FANTASIA E PARTICIPE.
http://www.facebook.com/bloco.curtaki
Já são dois dias, olha só que luxo. 100% de crescimento!
ExcluirVamos pular tudo o que der pra pular esse ano, pra que no ano que vem a gtn ocupe a cidade inteira, Adriana!
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