segunda-feira, 25 de junho de 2012

Seres Cinematográficos

Por Marcelo Lopes

O diretor Walter Lima Junior, em um artigo para a primeira edição da Revista Cinemais (voltada para os estudos sobre cinema e outros produtos audiovisuais, lançada em outubro de 1996 pela Editorial Cinemais), discorria sobre um termo realmente interessante: aquilo que ele chamou de “seres cinematográficos”. Tratava-se de atores e atrizes cujo talento e elasticidade interpretativa tivessem um elo quase orgânico com o cinema, fazendo com que seus personagens fossem construídos com os traços fortes das suas presenças cênicas ao ponto que estes tivessem sua essência quase que obrigatoriamente vinculada à grande tela, e aparentemente não se limitassem a espaços como palcos ou estúdios de TV. À época, o cineasta citava com exemplos os atores Murilo Benício e Fernanda Torres.
Pensando um pouco nessa categoria ímpar resolvi fazer minha própria lista. A razão de elencá-los é apenas o exercício simples de tentar ilustrar um painel de novas referências para grandes nomes que hoje emprestam rosto e vigor ao cinema brasileiro que conhecemos, como no passado outros intérpretes fizeram. Os critérios para a escolha de cada um deles foram baseados na freqüência com que filmam e no impacto de seus personagens na cinematografia nacional recente.
Wagner Moura – o ator baiano é um dos mais destacados nomes da nova geração do cinema nacional. De filmes que eu atuou apenas com pequenos personagens, como “Abril Despedaçado” (Walter Salles, 2001) e “Ó Paí, ó!” (Monique Gardenberg, 2007) a protagonistas impactantes como o Capitão Nascimento, de “Tropa de Elite” (José Padilha, 2007), sua capacidade de viver com a máxima intensidade e envolvimento cada um dos personagens que assume faz dele, talvez, o principal representante da nova geração do cinema no Brasil.
Alice Braga – sobrinha da atriz Sônia Braga, trilhou uma carreira sem o peso da comparação com a tia famosa, embora sua trajetória internacional seja um ponto comum entre as duas, além do imenso talento. Mesmo com uma carreira ainda muito curta, já deixou marcada sua forte participação desde o primeiro longa-metragem, como a adolescente Angélica, de “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles, 2002) e a stripper Karinna, de “Cidade Baixa” (Sérgio Machado, 2005). Com poucas participações em TV, seu rosto vem povoando diversos filmes hollywoodianos nos últimos anos, como “Eu Sou a Lenda” (Francis Lawrence, 2007), “Ensaio sobre a Cegueira” (Fernando Meirelles, 2009) e “On The Road” (Walter Salles, 2011).
Selton Mello – versátil, já atuou como dublador (Charlie Brown, do desenho Snoopy e Daniel Laruso, do filme “Karatê Kid”, entre outros), ator, diretor e produtor, mas fez sua carreira para o grande público como conhecido ator de TV, embora se dedique nos últimos anos com marcante participação em importantes filmes da nova safra do cinema nacional. Transitando com impressionante força tanto em papéis trágicos (“Lavoura Arcaica”, de Luis Fernando Carvalho, 2001) quanto cômicos (“Lisbela e o Prisioneiro”, de Guel Arraes, 2003) sua imagem é frequentemente associada ao que de melhor se tem feito no audiovisual do Brasil.
Dira Paes – muito longe dos personagens de TV que a consagraram (como a Solineuza, do Sitcom, “A Diarista” e a Norminha da novela “Caminho das Índias”), sua atuação no cinema supera a marca dos 25 filmes e seus papéis têm sempre o peso exato do seu talento, seja em filmes com um tom viral e cínico como em “Cronicamente Inviável” (Sergio Bianchi, 2000) ou em dramatizações cruas como em “Baixo das Bestas” (Claudio Assis, 2006). Não apenas pela força do seu trabalho, mas pela militância no meio cinematográfico, sua presença no cinema é um dos referenciais de um cinema com vistas a continuidade e qualidade.
Matheus Nachtergaele – responsável, segundo o escritor Ariano Suassuna, pela melhor personificação do seu emblemático João Grilo (“O Auto da Compadecida”, Guell Arraes, 1999), o ator é uma máquina de fazer filmes, trabalhando nas principais produções do que se convencionou a chamar de Cinema da Retomada, período coincidente com o início das suas atuações nas telas nacionais. Originariamente um ator de teatro, é dinâmico, instigante e, muitas vezes, faz de seus personagens inquietantes figuras cênicas, imprimindo nestes trejeitos, detalhes ou dimensões que caracterizam a composição de seu intérprete e que valeram a este prêmios importantes no teatro e no cinema.
Fernanda Torres – o fato de ser filha de nada menos que Fernanda Montenegro e Fernando Torres só contribuiu positivamente para a carreira da (já não tão jovem) atriz, mas que não poderia ficar de fora da lista dos “seres cinematográficos”, pela sua força cênica - impagável nos papéis cômicos, marcante nos dramas em que atuou. De filmes mais distantes (e não menos importantes) como “A Marvada Carne” (André Klotzel, 1985) e “Eu Sei que Vou te Amar” (Arnaldo Jabor, 1986) aos mais recentes “Terra Estrangeira” (Walter Salles, 1996) e “Casa de Areia” (Andrucha Waddington, 2005), seu talento transita entre as várias linguagens sem perder o tempo dramático nem deixar de convencer da verdade em seus personagens.
Lázaro Ramos – o baiano, vindo do Bando de Teatro Olodum, é um dos talentos mais destacados do renovado cenário de atores do país. Pontuando com grandes trabalhos no teatro e na TV, no cinema, onde atua desde 1995 (“Jenipapo”, Monique Gardemberg), viveu papéis fortes como o Ezequiel, em “Carandiru” (Hector Babenco, 2003), o André, de o “Homem que Copiava” (Jorge Furtado, 2003), o virulento João Francisco dos Santos, cujo apelido emprestou título a “Madame Satã” (Karim Aïnouz, 2002), além do aclamado Roque, de “Ó Paí, Ó!” (Monique Gardemberg, 2007), baseada na comédia musical baiana de mesmo nome. Sua forte presença cênica e talento o colocam entre o melhores atores brasileiros da atualidade.
Rodrigo Santoro – estigmatizado no início da carreira pela imagem do ator-rostinho-bonito-da-vez, o ator traçou seu caminho com personagens instigantes na TV e sobretudo no cinema, construindo personagens nada simplistas como o Wilson, de “Bicho de Sete Cabeças” (Laís Bodanski, 2001), o Tonho, de “Abril Despedaçado” (Walter Salles, 2001) e o travesti Lady Di, de “Carandiru’ (Hector Babenco, 2003). Lançou-se no mercado internacional, buscando quebrar outra barreira para o talento que cada vez mais fazia conhecer e começou a atuar em filmes hollywoodianos recentes como “300” (Zack Snyder, 2007) e “Che”, partes I e II (Steven Soderbergh, 2008), sem perder seu vínculo com o cinema brasileiro.

Não pretendo ser injusto com quaisquer outros atores e atrizes (atrizes estas que gostaria de poder elencar em maior número), mas esta é sim uma lista pessoal, embora aberta a sugestões (desde que sugestões coerentes). O mais importante é sabermos que nosso olhar cinematográfico, acostumado ainda hoje a ver Zezé Motta, Fernanda Montenegro, Marieta Severo, Sônia Braga, José Wilker, Betty Faria, entre tantos outros, não deve se perder na imagem de um cinema brasileiro estático, não-renovável, ou puramente uma extensão do que se faz na televisão. Oxigenar a grande tela exige partes iguais de dedicação de quem produziz, dirige, atua, distribui e assiste, e nesse último papel, não se enganem, está também a nossa responsabilidade.

Um comentário:

  1. Mais um excelente texto Chelo! Parabéns. Concordo com todos os nomes listados. Só fiquei surpresa com o nome de Dira Paes. Não tinha conhecimento da sua versatilidade cinematográfica. Abraços.

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