Por Marcelo
Lopes
O diretor Walter
Lima Junior, em um artigo para a primeira edição da Revista Cinemais (voltada
para os estudos sobre cinema e outros produtos audiovisuais, lançada em outubro
de 1996 pela Editorial Cinemais), discorria sobre um termo realmente
interessante: aquilo que ele chamou de “seres cinematográficos”. Tratava-se de
atores e atrizes cujo talento e elasticidade interpretativa tivessem um elo
quase orgânico com o cinema, fazendo com que seus personagens fossem
construídos com os traços fortes das suas presenças cênicas ao ponto que estes
tivessem sua essência quase que obrigatoriamente vinculada à grande tela, e
aparentemente não se limitassem a espaços como palcos ou estúdios de TV. À
época, o cineasta citava com exemplos os atores Murilo Benício e Fernanda
Torres.
Pensando um
pouco nessa categoria ímpar resolvi fazer minha própria lista. A razão de
elencá-los é apenas o exercício simples de tentar ilustrar um painel de novas
referências para grandes nomes que hoje emprestam rosto e vigor ao cinema brasileiro
que conhecemos, como no passado outros intérpretes fizeram. Os critérios para a
escolha de cada um deles foram baseados na freqüência com que filmam e no
impacto de seus personagens na cinematografia nacional recente.
Wagner Moura – o ator baiano é um dos mais destacados nomes da
nova geração do cinema nacional. De filmes que eu atuou apenas com pequenos
personagens, como “Abril Despedaçado” (Walter Salles, 2001) e “Ó Paí, ó!” (Monique
Gardenberg, 2007) a protagonistas impactantes como o Capitão Nascimento, de “Tropa
de Elite” (José Padilha, 2007), sua capacidade de viver com a máxima
intensidade e envolvimento cada um dos personagens que assume faz dele, talvez,
o principal representante da nova geração do cinema no Brasil.
Alice Braga – sobrinha da atriz Sônia Braga, trilhou uma
carreira sem o peso da comparação com a tia famosa, embora sua trajetória
internacional seja um ponto comum entre as duas, além do imenso talento. Mesmo
com uma carreira ainda muito curta, já deixou marcada sua forte participação desde
o primeiro longa-metragem, como a adolescente Angélica, de “Cidade de Deus”
(Fernando Meirelles, 2002) e a stripper
Karinna, de “Cidade Baixa” (Sérgio Machado, 2005). Com poucas participações em
TV, seu rosto vem povoando diversos filmes hollywoodianos nos últimos anos,
como “Eu Sou a Lenda” (Francis Lawrence, 2007), “Ensaio sobre a Cegueira”
(Fernando Meirelles, 2009) e “On The Road” (Walter Salles, 2011).
Selton Mello – versátil, já atuou como dublador (Charlie Brown,
do desenho Snoopy e Daniel Laruso, do filme “Karatê Kid”, entre outros), ator,
diretor e produtor, mas fez sua carreira para o grande público como conhecido
ator de TV, embora se dedique nos últimos anos com marcante participação em
importantes filmes da nova safra do cinema nacional. Transitando com
impressionante força tanto em papéis trágicos (“Lavoura Arcaica”, de Luis
Fernando Carvalho, 2001) quanto cômicos (“Lisbela e o Prisioneiro”, de Guel
Arraes, 2003) sua imagem é frequentemente associada ao que de melhor se tem
feito no audiovisual do Brasil.
Dira Paes – muito longe dos personagens de TV que a
consagraram (como a Solineuza, do Sitcom, “A Diarista” e a Norminha da novela
“Caminho das Índias”), sua atuação no cinema supera a marca dos 25 filmes e seus
papéis têm sempre o peso exato do seu talento, seja em filmes com um tom viral
e cínico como em “Cronicamente Inviável” (Sergio Bianchi, 2000) ou em
dramatizações cruas como em “Baixo das Bestas” (Claudio Assis, 2006). Não apenas
pela força do seu trabalho, mas pela militância no meio cinematográfico, sua
presença no cinema é um dos referenciais de um cinema com vistas a continuidade
e qualidade.
Matheus Nachtergaele – responsável, segundo o
escritor Ariano Suassuna, pela melhor personificação do seu emblemático João
Grilo (“O Auto da Compadecida”, Guell Arraes, 1999), o ator é uma máquina de
fazer filmes, trabalhando nas principais produções do que se convencionou a
chamar de Cinema da Retomada, período coincidente com o início das suas
atuações nas telas nacionais. Originariamente um ator de teatro, é dinâmico,
instigante e, muitas vezes, faz de seus personagens inquietantes figuras
cênicas, imprimindo nestes trejeitos, detalhes ou dimensões que caracterizam a
composição de seu intérprete e que valeram a este prêmios importantes no teatro
e no cinema.
Fernanda Torres – o fato de ser filha de nada menos que
Fernanda Montenegro e Fernando Torres só contribuiu positivamente para a
carreira da (já não tão jovem) atriz, mas que não poderia ficar de fora da
lista dos “seres cinematográficos”, pela sua força cênica - impagável nos
papéis cômicos, marcante nos dramas em que atuou. De filmes mais distantes (e
não menos importantes) como “A Marvada Carne” (André Klotzel, 1985) e “Eu Sei que
Vou te Amar” (Arnaldo Jabor, 1986) aos mais recentes “Terra Estrangeira”
(Walter Salles, 1996) e “Casa de Areia” (Andrucha Waddington, 2005), seu
talento transita entre as várias linguagens sem perder o tempo dramático nem
deixar de convencer da verdade em seus personagens.
Lázaro Ramos – o baiano, vindo do Bando de Teatro Olodum, é um
dos talentos mais destacados do renovado cenário de atores do país. Pontuando
com grandes trabalhos no teatro e na TV, no cinema, onde atua desde 1995
(“Jenipapo”, Monique Gardemberg), viveu papéis fortes como o Ezequiel, em
“Carandiru” (Hector Babenco, 2003), o André, de o “Homem que Copiava” (Jorge
Furtado, 2003), o virulento João Francisco dos Santos, cujo apelido emprestou
título a “Madame Satã” (Karim Aïnouz, 2002), além do aclamado Roque, de “Ó Paí,
Ó!” (Monique Gardemberg, 2007), baseada na comédia musical baiana de mesmo
nome. Sua forte presença cênica e talento o colocam entre o melhores atores
brasileiros da atualidade.
Rodrigo Santoro – estigmatizado no início da carreira pela
imagem do ator-rostinho-bonito-da-vez, o ator traçou seu caminho com
personagens instigantes na TV e sobretudo no cinema, construindo personagens
nada simplistas como o Wilson, de “Bicho de Sete Cabeças” (Laís Bodanski,
2001), o Tonho, de “Abril Despedaçado” (Walter Salles, 2001) e o travesti Lady
Di, de “Carandiru’ (Hector Babenco, 2003). Lançou-se no mercado internacional,
buscando quebrar outra barreira para o talento que cada vez mais fazia conhecer
e começou a atuar em filmes hollywoodianos recentes como “300” (Zack Snyder, 2007) e “Che”, partes I
e II (Steven Soderbergh, 2008), sem perder seu vínculo com o cinema
brasileiro.
Não pretendo
ser injusto com quaisquer outros atores e atrizes (atrizes estas que gostaria de
poder elencar em maior número), mas esta é sim uma lista pessoal, embora aberta
a sugestões (desde que sugestões coerentes). O mais importante é sabermos que
nosso olhar cinematográfico, acostumado ainda hoje a ver Zezé Motta, Fernanda
Montenegro, Marieta Severo, Sônia Braga, José Wilker, Betty Faria, entre tantos
outros, não deve se perder na imagem de um cinema brasileiro estático,
não-renovável, ou puramente uma extensão do que se faz na televisão. Oxigenar a
grande tela exige partes iguais de dedicação de quem produziz, dirige, atua,
distribui e assiste, e nesse último papel, não se enganem, está também a nossa
responsabilidade.
Mais um excelente texto Chelo! Parabéns. Concordo com todos os nomes listados. Só fiquei surpresa com o nome de Dira Paes. Não tinha conhecimento da sua versatilidade cinematográfica. Abraços.
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