quinta-feira, 28 de junho de 2012

Quadrinho a Quadrinho: 24 Vezes por Segundo


Por Marcelo Lopes

Quando me falam sobre adaptações de quaisquer obras para o cinema sempre me lembro dos bodes. Dois bodes no campo comiam um filme cinematográfico. A certa altura um diz para o outro: “o que você acha desse aqui?” – pensativamente o outro responde, “prefiro o livro”.
Sobre isso, há sempre que reclame sobre um filme A ou B e ainda há quem diga que nenhum filme consegue superar a história original. Na verdade, tirados de livros ou de outras fontes de inspiração, as adaptações têm sim seu lugar. Basta olhar para os maiores lançamentos do cinema norte-americano nos últimos anos e pode-se observar que um filão muito bem explorado tem sido os filmes baseados em personagens dos quadrinhos. A lista é longa: somente em 2011 nos vimos às voltas com o Deus do Trovão (Thor, de Kenneth Branagh), a nova saga dos mutantes (X-Men – Primeira Classe, de Matthew Vaughn), o bárbaro da Siméria (Conan, de Marcus Nispel), o grande escoteiro dos EUA (Capitão América, de Joe Johnston), o cavaleiro esmeralda (Lanterna Verde, de Martin Campbell), além de um bando de duendezinhos azuis, alguns robôs automotivos e um ursinho laranja que saíram dos quadrinhos e viram sucesso de TV nas década de 80 e 90: Os Smurfs, (Colin Brady), Transformers 3 (Michael Bay) e Ursinho Pooh (Stephen J. Anderson/ Don Hall). Tudo isso em um só ano. Em 2012, os destaques ficam a cargo de Homens de Preto 3, Os Vingadores e da versão teen do Homem Aranha.
Claro que nem tudo vale o que vende. A primeira regra de uma adaptação é respeitar a linguagem: cinema não é literatura nem é história em quadrinhos e vice-versa. Cada um tem seu ritmo, sua característica, seu tempo narrativo, seus detalhes relevantes. Não se pode esperar que uma obra adaptada seja tão boa ou melhor que o original, até mesmo porque a matéria-prima de ambos tem desdobramentos diferentes. Na literatura a imaginação segue a mão e o suor do seu autor, com os objetivos de quem escreve. No cinema, as variáveis são muito maiores e os interesses infinitamente diversos; do agente de determinado superstar ao produtor de uma grande companhia, do roteirista habilidoso (ou não) ao chefe de marketing que quer vender os bonequinhos e camisetas do filme.
O que de fato nos importa de fato como espectadores é o rol de bons filmes e de outras tantas barbaridades que nos são apresentadas nos últimos anos. E como estamos falando de Quadrinhos, aí vai a minha lista dos piores e melhores filmes.

PIORES
- O JUSTICEIRO (1989) – Um desgosto. O personagem, um dos mais ricos anti-heróis psicóticos dos HQ’s, virou piada e se tornou irreconhecível na pele do ator Dolf Lundgren (na época, ainda famoso pela sua atuação em Rocky IV). Canastrão e mal produzido, o filme não convence com os personagens, com o ator e sequer faz jus a história original. Não vou nem falar do que o loirão fez com He-Man (Masters of the Universe).

- O FANTASMA (1996). Depois de amargar um longo tempo sendo um dos amiguinhos sem nome de Beef Tennen, na trilogia “De Volta para o Futuro” e fazer algum sucesso como vilão em Titanic, Billy Zane emprestou o rosto ao velho herói-título do filme, assassinando a memória de muitos leitores. O filme, de bilheteria muito ruim, não emplacou nem aos mais generosos que nem conheciam o personagem da época dos quadrinhos. Billy Zane, depois disso, não consegue mais nem o antigo papel na gang do Beef.

- DEMOLIDOR – O Homemsem Medo (2003). Nem cinema nem HQ, a linguagem do filme é um híbrido estranho que não consegue se aproximar da aura sombria do herói-cego que faz justiça com as próprias mãos, nem consegue emplacar boas interpretações dos atores (que ironicamente são bons, como Bem Affleck, Jennifer Garner e Colin Farrell). Miscelânea de sei-lá-o-quê, o filme tem cenas de luta que perdem para Jaspion em convencimento e uma história sem consistência.
- HULK (2003/2008) – Não sei bem onde fica a referência que os roteiristas para adaptarem os HQ’s, mas o Hulk, protagonizado por Eric Bana, consegue misturar tanta coisa que a história se perde no meio dos seus efeitos e torna o Dr. Bruce Banner filho de um dos seus piores inimigos nos quadrinhos (coisa que nunca aconteceu nas histórias). A continuação peca menos na história original, mas tem pérolas, como brasileiros com sotaque espanhol e coisas do gênero. Melhor deixar pra lá... É tudo muito incrível.

- BATMAN E ROBIN (1997) – depois de uma brusca queda de qualidade nas sequências dos filmes de Batman (iniciadas com ótimo Batman, de Tim Burton), essa pérola é o auge de muita perda de tom. Além de atuações horripilantes, personagens sem um mínimo de conteúdo e da gratuidade das ações dos personagens, a história do homem-morcego se assemelha mais ao seriado Batman dos anos 60 (com o barrigudo Addam West) que com o clima mais sombrio que consagrou o herói nos quadrinhos.

MELHORES
- HOMENS DE PRETO (1997/2002/2012) – Para quem não sabe, as histórias impagáveis dos homens de terno preto saíram dos quadrinhos para cair no gosto popular com duas ótimas produções (indo para a sua terceira em 2012). A produção muito bem bolada, não cai no uso dos recursos somente para encobrir um roteiro fraco;  divertido, inteligente e protagonizado por dois atores de primeira linha, o filme promete também na sua próxima sequência.

- BATMAN Begins (2005/2008) – o Diretor Christopher Nolan redime a saga do cavaleiro das trevas com duas ótimas adaptações, trazendo para a tela do cinema um filme de ação intrincado, que faz passar longe a noção de que as histórias dos quadrinhos não podem ter peso dramático. Em ambos (não recomendadas para crianças, diga-se), a atmosfera densa e a virulências dos personagens valem cada minuto sentado em frente a tela. Nota dez (in memorian) para Heath Legder como o melhor Coringa do cinema (que me desculpe Jack Nicholson).

- 300 (2007) - dirigido por Zack Snyder, baseado na obra de Frank Miller, “Os 300 de Esparta”, o filme é a reconstrução do HQ em cinema, nos termos de uma transposição de linguagem inteligente e astuta. Usando de filtros que fazem lembrar as pinturas do artista Frank Miller, filtros de luz e muito Chroma Key, a história da resistência do Rei Leônidas e suas três centenas de soldados para manter os incontáveis guerreiros persas fora do território grego, resgata na raiz o sentido épico da história de Miller.

- WACHTMEN (2009) – Baseada na Graphic Novel homônima de Alan Moore e Dave Gibbons, o filme foi um desafio de duas décadas para a obra dos quadrinhos mundialmente premiada: nenhum conseguia encarar Rorschach e os outros anti-heróis da história sem dar a cara à tapa aos milhões de fãs da história, espalhados mundo afora. Tudo isso porque, além de complexa, repleta de intertextos e histórias paralelas, a narrativa mantinha uma unidade dramática e estética marcante; o risco de fazer perder o que tornava a história uma obra prima poderia se perder em dois tempos. Outro ponto para Zack Snyder, que aceitou o desafio e o resultado foi impressionante. Para quem não viu, recomendo ver os dois, o HQ e o filme.

- Sin City - A Cidade do Pecado (2005) – dirigido por nada menos que Frank Miller (autor da obra em quadrinhos), Quentin Tarantino, Robert Rodriguez, o filme mantém traços integrais da Graphic Novel: o contraste de preto e branco e a incursão de algumas cores adicionais como o vermelho e amarelo; a narrativa suja dos pulp fiction (livro de bolso com histórias policiais, repletas de sexo e anti-heróis ao estilo noir). Ágil, frenético, plasticamente impressionante e impressionável, o filme mantém a estética dos quadrinhos como um homenagem a esta arte sem esquecer que está fazendo cinema.

A lista tende sempre a ficar imensa, se olharmos o que já foi feito e o que já existe de promessa pela frente. Torçamos pelo menos para que vençam os melhores.

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