Por Marcelo Lopes
O Brasil tem um novo presidente; neste caso singular, uma presidente. Na
sucessão dos mandatários do nosso país existem ângulos da História que nos
cabem lembrar, já que um novo ciclo apenas se inicia - mesmo que alguns digam que
apenas continue, mas este é outro assunto.
Comento tais questões para analisar não os atuais sucessos do mercado
audiovisual (derivados de muitas decisões acertadas nas gestões passadas), mas
para chamar a atenção sobre o quão deliberativas podem ser as ações de um novo
governante sobre tudo o que nos diz respeito.
As políticas públicas de incentivo nos últimos anos têm sido
fundamentais para a regulamentação do setor audiovisual no país, impulsionando o
atual Cinema Brasileiro. A
importância de uma gestão com um olhar atento à valorização dos nossos bens
culturais foi imprescindível para que a ótima fase do nosso audiovisual
alcançasse seus êxitos de produção e difusão.
Longe de fazer apologia política, o fato é que nos últimos doze anos
(e principalmente nos últimos oito), a descentralização de recursos voltados
para a Cultura permitiu um alcance e uma democratização no fazer cultural com
apoio público sem precedentes: dos mais consagrados produtores do eixo Rio-SP
aos pequenos grupos do terceiro setor (como o Ponto de Cultura Movimento Cultural Arte Manha, de Caravelas, Bahia), o
acesso a políticas de financiamento tornou possível uma realidade produtiva
cada dia mais profícua. Muito longe do que é possível ser, mas a léguas de
distância do que já foi.
Em 1990, o Brasil ganhava um presente de grego; pior, elegia seu
próprio presente de grego. Fernando Collor de Mello, dentre as muitas gracinhas
que aprontou (como confisco das cadernetas de poupança e escândalos à la novela mexicana), foi o algoz do
setor cultural brasileiro nos poucos mais de dois anos em que fez da nação o
quintal da Casa da Dinda. À época, Collor, com sua política neoliberal, acabou
com os principais órgãos reguladores do cinema brasileiro, dizimando
instituições como a Embrafilme, que mesmo inchada e inoperante, ainda era o
maior suporte de viabilização do mercado nacional de audiovisual. Acabou com o Conselho Nacional de Cinema – Concine e
com a Fundação do Cinema Brasileiro, além de reduzir o Ministério da Cultura a
uma simples Secretaria de Estado, ligada ao Gabinete da Presidência. As leis de
incentivo à produção e exibição, a regulamentação do mercado e até mesmo os
órgãos encarregados de produzir estatísticas sobre o cinema no Brasil foram
extintos.
Segundo o discusso vigente,
encabeçado pelo Presidente-garotão, o mercado deveria “auto-regulamentar-se”,
sem interferência do Estado. Na prática, isso significava uma abertura
indistinta de mercado, totalmente à mercê das especulações e da maciça
investida internacional, sem reservas mínimas para a produção local, onde os
estragos para o Cinema e o audiovual brasileiro não poderiam ser piores. A
produção nacional caiu a praticamente zero de um ano para outro. Em 1992,
último ano do governo Collor, um único filme brasileiro chegou às telas: A
Grande Arte, de Walter Salles, falado em inglês e ocupante de menos de 1%
do mercado.
Resultado mais visível,
impossível. Nosso cinema foi relegado a poucas iniciativas; os festivais, principais
vitrines do cinema nacional passaram a incluir curtas-metragens no lugar dos
longas na programação competitiva ou deixavam de ter suas edições anualmente. A
captação de recursos para realização de novos filmes se tornou inviável, uma
vez que o mercado interno não comprava a ideia e os investidores estrangeiros
sequer tomavam conhecimento do que era ou poderia ser feito por aqui. Somente
com a promulgação da Lei 8.685/93, a chamada
Lei do Audiovisual, que permitia o investimento em produções nacionais pela via
da isenção fiscal, foi que as primeiras golfadas de ar se expandiram pelo
pulmões das nossas telas de cinema, exibindo nossos próprios rostos nas sessões
de filmes do país. Não por acaso, os filmes que emergiram da grave crise
buscaram resgatar quem somos, com temas que invariavelmente falavam sobre as diversas
facetas da nossa identidade: Carlota Joaquina (1994, de Carla Camurati), O
Quatrilho (1995, de Fábio Barreto), O que É isso, Companheiro? (1996, Bruno
Barreto) e Central do Brasil (1997, de Walter Salles) são obras fundamentais daquilo
que ficou conhecido como Cinema da Retomada.
Hoje, quando vivemos a era Dilma, esperamos
mais do que garantias que disparidades como aquelas não ocorram; esperamos que
as conquistas já alcançadas avancem; que nosso mercado tome proporções ainda
maiores, mais efetivas, mais profissionais. Infelizmente, na gestão Ana de
Holanda, diferente do processo de descentralização dos recursos promovido pelo
Ministério nos últimos oito anos, o compromisso se estreita muito mais
facilmente com políticas como a do Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição – ECAD - cujos principais colaboradores fazem parte hoje do staf do MinC. A pauta tem dado uma
guinada perigosa para o retrocesso e a continuidade de um pensamento de atraso
e protecionismo. É preciso que os avanços permaneçam como um norte para o
crescimento; que a descentralização de recursos na Cultura atinja produções
vindas de ideias nascidas nos quatro cantos do território. E que isso se
multiplique. Esses são mais que meus desejos para o governo atual, são minhas
cobranças.
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