Por Marcelo Lopes
Há pouco mais de um ano publiquei este
texto. De lá para cá pouca coisa mudou, embora as ideias para a implementação
de uma dinâmica econômica voltada para o cinema em Vitória da Conquista tenham
acrescentado mais uma pedra fundamental das ações que nunca saem da pedra
fundamental.
Em março deste ano, o cineasta Orlando Sena
(ex-secretário do Audiovisual do MinC no governo Lula), assinou um contrato de
consultoria para um convênio de cooperação técnica e administrativa para
implantação do Centro de Formação, Produção e Difusão Audiovisual no município firmado
entre a Prefeitura Municipal e com a Uesb. Um esforço para que saia do papel
mais uma iniciativa voltada para a área da cultura.
É preciso que se entenda – e efetivamente se
aplique – a noção de que estimular a cultura não é mecenato, não é um ato de
benevolência com quem toca, escreve ou faz artesanato, imagem muito comum para o
gestor que lida administrativamente com outros recursos mais “importantes”,
como a saúde e a educação.
A
Economia da Cultura mobiliza recursos imensos em todo mundo e só fica atrás do
mercado armamentista. O que chamamos hoje de Economia Criativa, vista de uma
maneira objetiva e tratada de maneira respeitosa pelos nossos gestores, é uma área
extremamente rentável e dinâmica, capaz de abarcar uma diversidade de expressões
culturais e formas de desenvolvimento.
Por
isso resolvi postar esse texto novamente aqui no blog: para insistir que Vitória
da Conquista – assim como centenas de outras cidades no Brasil – tem que
acreditar no seu próprio potencial, mas precisa que isso seja também uma
atitude de persistência entre seus gestores. Se não vamos continuar inaugurando
novas pedras fundamentais, indefinidamente.
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Há cerca de
vinte anos nosso cenário, nada diferente do resto do país, era o seguinte:
1) Os cinemas
de rua passavam por um desgastante processo de fechamento. Restavam na cidade, no
início da década de 1990, o Cine Glória (hoje, mais um templo evangélico) que
dedicou seus últimos anos exibindo filmes pornográficos, e o Cine Madrigal, “o
último dos moicanos” no mundo das exibições no modelo das salas mais antigas.
2) O moral
do cinema brasileiro ia de mal a pior; vivíamos a Era Collor, que cuidou de
piorar muito mais um quadro já cheio de descrétido nas produções nacionais
(retirando todo o suporte que permitia aos produtores encamparem seus
projetos). Com produções de gosto duvidoso, ver filme nacional para o grande público,
também aqui, era sinônimo de perda de tempo.
3) A
exibição doméstica de filmes, permitida pela febre dos videocassetes, nos dava
acesso a uma filmografia vasta e possibilitava ainda que gravávamos não só filmes
pela TV, mas seriados e o que mais nos interessasse, reduzindo a prática
coletiva de ir à sala de cinema à sessões individuais ou em pequenos grupos
dentro de casa. É nessa época que pipocam pelos quatro cantos as cópias piratas
de filmes, que, inclusive, forneciam material a boa parte das dezenas de
locadoras que abriam a cada semana na nossa cidade.
Nessa mesma
época, Vitória da Conquista vivia um fenômeno peculiar: um dos filhos mais
ilustres da cidade, o cineasta Glauber Rocha, era então um ilustríssimo
desconhecido em sua própria terra natal. A exceção de algumas pessoas com mais
idade para se lembrarem dele, por tê-lo conhecido ou aos seus familiares, e
salvo um ou outro mais esclarecido, Glauber poderia ser, para boa parte dos que
eram questionados nas ruas, tanto algum especialista na área médica quanto um novo
cantor de Axé (não riam, eu mesmo presenciei isso!). Foi necessário muito
trabalho para que o nome do cineasta fosse resgatado e novamente fizesse parte
da história corrente do município.
Mas o que finalmente
me move nesta reflexão temporal são as nossas perspectivas locais para o
audiovisual; daquilo que temos hoje e do que já poderíamos ter, não fosse a
ineficácia de muitas posturas institucionais.
Vitória da
Conquista se referencia no setor de cinema e audiovisual por práticas sociais reconhecidas
como o Programa Janela Indiscreta Cine
Vídeo-Uesb; as edições sucessivas da Mostra
Cinema Conquista; as ações cada vez mais eficientes na formação de
profissionais do ensino voltados para a relação
cinema-educação; os Ponto de Cultura
que atuam também como exibidores; projetos como o Cine SESC, do SESC Conquista, o Cine Cidadão e o Cine Seis e
Meia, da Prefeitura Municipal, além da recente implantação do curso graduação em Cinema e Audiovisual
da Uesb, tornado possível justamente pela luta incessante de alguns guerreiros locais
na busca de resignificar esta mudança de paradigmas, fruto de fatos como os
acima citados, encenados nestes últimos vinte anos.
Apesar dos
avanços dessas práticas, de um contexto tecnológico que permitiu o acesso a
produção de obras audiovisuais dos mais variados suportes (tendo o meio digital
principal ferramenta) e de uma série de políticas públicas que fomentaram um
campo fértil de projetos, Vitória da Conquista ainda carece de uma política
eficaz que privilegie a área que por si mesma se auto-referencia.
Vejam bem: não
é simplesmente porque esta é a terra natal de Glauber Rocha que devemos ser
destaque na área audiovisual; isto por si só não justifica. Mas não nos utilizarmos
disto como mote é um desperdício. A cidade de Varginha, no interior de Minas
Gerais, tem um festival inteiro de cinema (maior que a nossa mostra anual),
cujo ícone é um boneco alienígena (veja www.etdeouro.com.br)!
Temos um cineasta de renome internacional e não avançamos sequer em tirar do
papel vários projetos que possam transformar a cidade num pólo produtor no
setor. Este é apenas um dado da nossa realidade; dezenas de outros despontam a
cada dia, a exemplo da quantidade de pequenos produtores audiovisuais,
roteiristas, técnicos e realizadores que não encontram uma via de concretização
de suas ideias no município e têm que se dirigir a outros centros produtores na
busca de uma estrutura que já deveria estar disponível em Vitória da Conquista.
Neste
sentido, há uma lacuna grave na postura da articulação do poder público com
setores de interesse direto na busca de soluções para o desenvolvimento da área,
que deveriam dar encaminhamento e suporte a ideias e proposições que surgem
periodicamente.
Saindo do
campo da simples especulação, um exemplo objetivo (dos vários, perfeitamente
viáveis) que já foram discutidos e rediscutidos ao longo dos anos, é o projeto Kaza Glauber de Cinema, até hoje sem nenhuma
resposta em qualquer instância que o remeta a concretização: a proposição, que
visa criar um centro de produção, formação e difusão do audiovisual, tendo como
referência a figura do cineasta conquistense, tem como ponto principal a
convergência regional de todas as atividades do setor para o fortalecimento
técnico e artístico dos realizadores. Viabilizável apenas por proponentes de
representatividade pública, a proposta já foi apresentada e reapresentada em
ocasiões distintas à Prefeitura e à Uesb (principais representantes do poder
público na instancia cultural) ao longo dos anos, mas está parada há mais de
sete anos, sem qualquer perspectiva de avanço.
Pensar o
município em termos de futuro nesta área é apostar num filão cultural que já
nos destaca, mas é preciso agir mais do que apenas discutir, para desenvolvermos
e gerarmos frutos mais consistentes. Depende diretamente de uma aliança viável entre
gestores, entidades de fomento, articuladores, realizadores e produtores
culturais para que tudo isso saia do papel.
Já temos
maturidade e história para tanto. Não dá para viver de rascunhos.
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