Por Marcelo Lopes
Do
pouco de mineiro que os baianos têm - sobretudo nós do sudoeste e sul do estado
- há em comum um muito que guardamos bem quietos, ambos, irmanados por uma
natureza indelével. O jeito conquistense, que nos difere por uma “sonsidão” mal
disfarçada, não se apresenta como um defeito. De outra ordem, é ela que vela,
sob camadas espessas, as inquietações e indisfarçáveis potenciais para a
criatividade humana, tornando esse nosso Sertão da Ressaca um lugarzinho bom
pra parir e atrair gente “retada”.
Foto: luzdefifo.blogspot.com |
Por
isso, nem importa muito os caminhos de ordem prática que trouxeram para cá, há quarenta
anos, uma figura como o artista plástico J. Murilo. Foi a sintonia a culpada, e importa é que ele ficou. Esse mineiro
de Cordisburgo trocou a terra de João
Guimarães Rosa, onde nasceu, pela de Glauber Rocha. Não que isso o levasse a
fazer cinema; na verdade, sua realidade à baiana o fez reler a obra de
Guimarães Rosa sob a descoberta da dimensão do mais belo primitivismo, marcando
toda a identidade da sua obra de pintor. Em suas próprias palavras, “...sempre
quis pintar o primitivo, o naïf como os franceses falam”.
Foto: Ailton Fernandes |
Ao
se fazer conquistense, falou alto no coração as nossas parambeiras sertanejas,
que se misturaram aos seus temas nativos em cores e texturas tantas. Nelas fez renascer,
espremidas pelos seus dedos nas tintas de inúmeras obras, as vilazinhas, as
paisagens, os homens e mulheres, a natureza desembrutecida pelo olhar zeloso do
artista. Como bem define o texto de apresentação do seu site, “seu trabalho
sobre canudos é monumental e suntuoso, menos pelas dimensões murais e
religiosas do que pela magnífica interpretação que nos transmite como se fosse
um euclidiano nascido nas veredas grandes de um sertão cosmológico.” De inspiração
tão admirável quanto essa assim nasceram produções como a exposição Janela
do Sertão, e outras tão próprias do universo roseano, a quem tributou a
série intitulada O Diabo nas Veredas
Mortas, onde figuram as exposições O
Cortejo de Diadorim, Medeiros
Vaz, Bambual
do Boi, dentre outras. São obras que de tão sensíveis e poderosas que
dão vontade de encher os olhos de água ou soltar um palavrão.
Eu fiz os dois.
E
então, da mesma forma como muitas e muitas pessoas (aquilo que o sertanejo
costuma chamar de “ruma de gente”), por motivos mesmos e diferentes, encho novamente
os olhos d´água e deixo o palavrão correr solto porque hoje, na manhã do dia 18
de Abril de 2013, aos 76 anos, J. Murilo nos deixou para trocar cores com
Guimarães Rosa em parambeiras mais tranquilas, após uma parada cardíaca que nos
privou da sua convivência.
Foto: Ailton Fernandes |
Premiado,
admirado, respeitado como artista e patrimônio da cultura brasileira, J. Murilo
nos faz ver, assustados, nossa sorte e responsabilidade. Sorte, por motivos
óbvios: pelo (bom) orgulho de tê-lo como um nosso representante na cultura; responsabilidade
pela triste realidade de termos que lutar para que sua memória - que se junta
hoje a nomes como Camillo de Jesus Lima - não se pulverize na falta de
interesse popular, que dá conta até de histórias antigas das novelas, mas é incapaz
de reconhecer a beleza criativa dos seus pares, agora e depois.
Estamos de luto por tudo o que ele significa para a arte, a cultura, o
imaginário popular e história da nossa região, estado e país. Estamos de luto
pelo talento e pela pessoa que não mais compartilha sua presença conosco. Deixo
(em coro com nossa ruma de gente) um forte e sincero abraço aos seus familiares,
e agradecimentos profundos à sua memória e legado.
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