Por Marcelo
Lopes
Às
vezes fico mesmo pensando se somos protagonistas nisso tudo. Se, em algum lugar
por aí, deixamos de ser razão para nos tornarmos a desculpa de alguém para
alguma coisa. A lógica se inverte e o que de fato é raiz vira folha e é soprada
para fora do cenário. E muitas raízes vivem voando por aí, secando ao sol, já
que, sendo folhas agora, são muitas, e se repõem facilmente para serem sopradas
novamente ao alheio.
É
assim com a educação, onde o professor é o culpado se há greve - por condições
que já passaram do parâmetro do desumano - e a preocupação maior é: “como pode
tantos alunos fora das salas de aula?”, “e quem vai ficar com meus filhos se eu
tenho que trabalhar?”, ou “e o vestibular?”.
Da
mesma forma é com a grande mídia, inoculadora da ideia de que a programação
existe da forma que existe porque é o que o povo gosta. São programas de TV
idiotizantes, que quando não espirram sangue em noticiários “jornalísticos” nos
adoçam a boca com corpos sarados e sacolejastes; são músicas despejadas aos
borbotões, em todos os espaços possíveis, já passadas em muito do critério do
gosto para se tornarem questão de saúde pública tamanho o ruído que produzem e
o processo químico que desencadeiam ao inutilizar milhares de neurônios por segundo.
Como gostar de algo além disto se sequer temos acesso a outra coisa?
Ainda
somos obrigados a ouvir frases capciosas como a que justifica que “o povo tem os
representantes que merece”, quando nosso maior mérito é nos mantermos
regularmente educados para merecer os representantes que temos (sim, porque dessa
educação nós usufruímos!). E entre o burocrático e o legalista – entremeio no
qual nos perdemos muito fácil – há tantos discursos importantes que nunca fomos
de fato consultados a avalizar.
Então,
fico pensando: por existirmos na cultura, a que será que se destina estarmos
aqui? A voz é realmente nossa ou ela reproduz a existência de outras coisas? Ou,
se a voz é nossa, de quem são as palavras? Da ilustração mais generalista ao
mais sutil aspecto, assim vivemos. Veja o exemplo abaixo.
No
último dia 18 de abril estive no velório do artista plástico J. Murilo, uma das
figuras mais expressivas da cultura conquistense, reconhecido por sua obra e também
pelo seu bom humor e generosidade. Certo de que viveu como um ser humano feliz
deixou amigos e admiradores com a sensação de que findou seu ciclo terreno de
forma digna. Ou, como diria Ariano Suassuna, na voz do seu personagem Chicó: cumpriu sua sentença; encontrou-se com o
único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a
terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho
de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.
Murilo
foi velado no foyer do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, das 16h às 22h, a pedido do próprio artista, que,
já ciente do seu curto tempo entre nós, manifestou este desejo quando de sua
última exposição naquele mesmo espaço, há dois meses. Queria ser homenageado
onde sempre militou, na cultura. Nada mais justo.
Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima |
Por entendimento da diretoria da casa,
a realização deste ato de reconhecimento foi não apenas justificada, mas também
o reflexo da manifestação de uma vontade coletiva legítima, da qual partilharam
inúmeros agentes, artistas e indivíduos integrantes do setor cultural, presentes
e não presentes no local. Entendo o porquê desta postura e até onde ela se
estende. Sua contestação é calcada numa premissa ainda maior: a de que a
cultura se faz por si mesma e não deve se limitar aos interstícios da letra
fria. No tempo e razões certas é preciso que haja senso e bom senso no que se
interpreta sobre ela, evitando que o institucional se sobreponha ao que ele
deve representar: nós mesmos. Quando o texto que nos representa – esse domínio
da linguagem, campo manipulável de poder - ocupa-se do que é função nossa,
deixamos de ser a raiz das coisas. Desta forma, pergunto novamente: quando a
forma se sobrepõe ao conteúdo, de quem é a voz? Minha não é.
Na minha opinião, artistas são pessoas públicas, sim. Assim sendo, a morte desse grande artista afeta para além dos familiares, mas a todos colegas da arte e seus admiradores. Acredito também que todos são vítimas de suas próprias regras, na medida em que os sistemas não conseguem abarcar uma infinidade de possibilidades em um determinado campo, senão seriam conhecidos como sistemas perfeitos. Isso seria algo realmente ambicioso, haja vista nossas limitações. O que vejo não é forma sobre conteúdo, mas o conteúdo da forma que não tem a capacidade de abarcar àquilo que talvez seja digno e necessário. Mas seria acentuar as distinções, num tempo em que estas formas vem sendo combatidas em função de uma perspectiva democrática que se impõe, talvez, como regra em um mundo amplo e cada vez mais complexo nas contingencias e nas formas de se lidar com a problemática que acarreta esse crescimento. Todavia, considero que esse velório foi um desejo do artista e foi, sobre tudo, um desejo artístico mais que pessoal, embora Murilo tão generoso, tão persona grata e tão humano, não nos afasta por nenhum momento dessa condição entre o artista e o homem. Foi uma data na memória da arte em nossa cidade...
ResponderExcluirBem ponderado, João;
ResponderExcluirLembro que não faz muito tempo, neste mesmo espaço, foi velado o nosso amigo Miguel Côrtes, figura emblemática do cenário do rock regional, e o entendimento geral era o de que personalidades cuja trajetória pública tanto contribuem para a cultura e a arte tenham direito, nessa mesma lógica, à reverência merecida nos mesmos espaços de criação e reflexão pelo qual tanto lutaram.
Não se trata de uma subversão (gratuita ou não, como podem alegar alguns), mas do reconhecimento que é justamente no lugar da cultura que a cultura e a memória da cultura deve ser reverenciada.
Sem muito mais a acrescentar, a não ser valorizar, reforçar e apoiar a posição da nossa querida Maris. Em paralelo, saudar o texto do Marcelo, junto à ponderação clara do João... e assinar em baixo.
ResponderExcluirGeslaney Brito
IRRIGAÇÃO DE LÁGRIMAS
ResponderExcluirAutor,Carlos Silva
“Não pude virar as costas,
E esquecer minha terra,
Pois cada pedaço dela,
Respira alma sincera,
Ai sertão se eu pudesse,
A Deus faria uma prece,
Pra te dar um banho sagrado,
Ver teu corpo orvalhado,
Do jeito que bem merece”.
A força do sol cortava,
Como navalha o chão,
Até mandacaru secava,
Se confundindo com o torrão,
Da poeira que bailava,
Onde o vento assobiava,
A tristeza do sertão.
Nuvem no céu não se via,
Nem aboio se escutava,
Chocalhos emudeceram,
Nem se ouvia a passarada,
Era um completo deserto,
Eu vi tudo isso de perto,
Seca feroz castigava.
Somente uma gota molhava,
E caia naquele chão,
Brotou da maior tristeza,
Que sufocou o meu coração,
Minhas lágrimas transbordaram,
Os meus olhos encharcaram,
Querendo irrigar o sertão.