Por Marcelo Lopes
Acredito
que todo mundo passa ou passou por isso pelo menos alguma vez na vida: você
liga a TV ou entra no cinema com alguns minutos de filme iniciado e – em tese -
acha que não vai conseguir entender a trama, mas por um passe de mágica sua
mente brilhante decifra os elementos da narrativa e logo pega o bonde da
história como todo mundo que assistiu tudo desde o começo. Existe uma
genialidade em tudo isso, mas infelizmente ela não é nossa. Isso se chama
Reiteração.
Nos
primórdios do cinema, D. W. Griffith, um dos mais importantes realizadores da sétima
arte, responsável pela criação e incorporação de esquemas narrativos e técnicos que definiram a
linguagem do cinema como conhecemos, percebeu que era preciso oferecer ao
público em intervalos regulares de 15 minutos informações sobre elementos
essenciais da história de forma repetida, reiterada. Isto possibilitava que
qualquer um acompanhasse o ritmo dramático do filme, fazendo com que, no
mínimo, se reduzissem os riscos de um desinteresse ocasional do espectador.
No
formato hegemônico de filme que nos é ofertado pelo cinema comercial (a saber, o filme
de longa-metragem, de ficção, com média de 100 a 120 minutos) esta fórmula
didática de contar histórias ainda hoje mantém sua estrutura básica. É possível
compreender, a qualquer momento, quem é quem, o que faz, por onde anda, principais
dramas e características por meio de informações repetidas ao longo da trama -
aparentemente sem necessidade – e que ofertam de forma indutiva todos os
componentes que facilitam a leitura do filme, do início ao fim. Soma-se a isso,
desde o início da indústria hollwoodiana, a segmentação dos estilos fílmicos,
fazendo com que o público pré-identifique as histórias que os interessa. Destas
categorizações nasceram os romances, os filmes de ação, terror, dramas, comédias,
filmes mais familiares ou na faixa adolescente (teen). São recursos que geram contextualizações
onde se encaixam expectativas tanto de público quanto de modelos de histórias. Ambos,
filme e plateia, sabem o que esperar um do outro. O primeiro, de acordo a categoria,
brinca com seus próprios moldes, tentando surpreender o expectador, mudando a
ordem da trama, escondendo segredos, alterando o perfil do vilão ou do mocinho.
Todo o filme busca sua novidade, ou pelo menos a ilusão dela. De outro lado, o
público acredita entender bem – e logo de cara – quem é a mocinha, seu perfil,
seus sonhos. Ou mesmo do que é capaz o herói que posa de anti-herói. No cinema,
ambos dialogam em cima de favas contadas, com modelos previamente construídos
para a comercialização, sem grandes riscos, com um mínimo de esforço do
espectador. Afinal, esta é somente uma das maiores indústrias dos últimos cem
anos, que agrega valores simbólicos, culturais, de comportamento e dita o que
se deve ou não consumir em todo o mundo, cujo poder econômico só é inferior ao
mercado armamentista. E é tudo apenas “puro entretenimento”, segundo dizem.
Analisando
desta forma, pensar muito não é interessante, como ocorre também em muitas
outras áreas onde o conhecimento desperta diversidade, apuro crítico e -
tremam! – ideias. Mais que um didatismo, as fórmulas prontas das narrativas
cinematográficas, que são copiadas também no meio televisivo e radiofônico,
impõe o ritmo do consumo, do que deve ou não deve ser dito, visto, ouvido, acreditado
e creditado. Limita-nos a possibilidade da alteridade, de enxergar o outro,
simplesmente porque o outro se torna igual a nós, se repete em nós, versando
sobre os mesmo assuntos, ouvindo as mesmas coisas, dividindo os mesmos anseios
de consumo e padrões de vida.
Um dos mais conceituados circuitos independentes americanos http://www.spiritawards.com/ |
Entendam
bem: não é que tudo o que nos chega seja ruim ou tão “menos nobre”. O mercado
cinematográfico de filmes ditos comerciais, até mesmo para se sustentar e atender
à voracidade que nos despertou, tem obrigatoriamente que ser bom, narrativa e
tecnicamente. Tem que sustentar o desejo de ser sempre o melhor, no discurso e
na prática diária, mas precisa também reservar-se o direito de abrir, vez ou
outra, espaços para os diferentes, os independentes, os estranhos, porque deles
pode se alimentar e cooptar quando for conveniente, tornando-os parte do
circuito. Foi assim com grandes nomes como Kurosawa, Hitchcock, Jean-Jacques Annaud
e tantos outros, décadas a fio.
Cabe
a nós entender que o cinema é indústria, controle, e como tal, sobrevive do
volume que investe pelo quantitativo e daquilo que escolhe para ser
qualitativo. E por isso nosso discernimento não deve necessariamente excluir o
que aí está como faziam os radicais contrários ao capitalismo imperialista na
década de 60/70, que não vestiam jeans,
não viam TV de qualquer espécie nem (nunca, jamais, de forma alguma) tomavam
Coca-cola. Devemos, antes, ser inclusivos, receptíveis à experimentação de
novas narrativas, e olhares. O perigo de nos limitarmos a este controle é nos privar
das histórias deliciosas e sensíveis de filmes iranianos como Filhos do Paraíso, de italianos (Amarcord), franceses (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain), mesmo mexicanos, japoneses, holandeses, ou tão mais perto como os dos
nossos hermanos argentinos.
Carlos Drummond de Andrade ponderava: “mundo, mundo vasto mundo/ se eu me chamasse
Raimundo/ não seria uma rima/ seria uma solução/ Mundo, mundo vasto mundo/ mais
vasto é meu coração”. Assim como a escolha fácil da rima do Raimundo não é
bastante, a inquietação humana e possibilidade de conhecer o outro nos diz, da
mesma forma, que o mundo – o vasto cinema pelo mundo – é ainda mais sensível
aos corações abertos a ele.
Nota:
ResponderExcluirComo bem lembrou Marcio Meirelles (por e-mail), "shakespeare já usava essas repetições para informar o público do que estava acontecendo, pq no teatro dele tb as pessoas entravam a qualquer momento, se distraiam", lembrando ainda a importância do teatro no desenvolvimento de linguagens narrativas usadas depois no cinema e outras artes afins.
Tá registrado.
Senti falta dos botões "curtir" e "compartilhar". ;)
ResponderExcluirNa verdade, os botões estão na barra branca logo abaixo do texto e do gadjet "poderá também gostar de:", mas vou providenciar uns ícones mais em destaque pra facilitar.
ResponderExcluirValeu a dica!
Uma indagação (que nem constitui o foco do texto, mas me chamou atenção): "indústria inferior somente á armamentista?". Existem outros setores mais poderosos da indústria: aço, petróleo, eletricidade e a química. Comparados a esses, os monopólios culturais (incluso o cinema) são fracos e dependentes. Todos esses setores constituem uma verdadeira trama econômica que engendra em si a própria condição de interdependência. A rádio, a TV necessita da indústria elétrica, assim como o cinema dos investimentos burocráticos e financeiros (e aí diversos outros setores se incluem). Então, acredito que não seja adequado passar por cima dessa justaposição e isolar ou mesmo hierarquizar o setor cinematográfico, os mesmo os demais.
ResponderExcluirVer: Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer
Somos seres inesgotáveis de percepção e sensibilidade ao que é externo e, como tais, "produto do nosso tempo." A questão do outro torna-se pertinente quando olhamos a sociedade como um todo, uma vez que nossas relações dizem aquilo que somos, a que viemos e, muitas vezes, o que esperamos da vida. A Indústria Cinematográfica cumpre o papel de demonstrar aquilo que a sociedade do consumo espera de seus consumidores (as exceções existem, é claro, mas não são o foco do meu comentário). Temos aí uma via de mão dupla: podemos utilizar o cinema como campo de pesquisa para as relações interpessoais do século XXI, uma pesquisa antropológica acerca do comportamento humano, incluindo esferas como cultura, economia, religião; ou, numa perspectiva inconformista, podemos criticar a produção cinematográfica capitalista, alienadora, formadora de mentes que só reproduzem, que não pensam. A grande questão, ao meu ver, é a dosagem das duas possibilidades. Ora, se somos homens do século XXI, dependemos da cultura (quase que) imposta pela sociedade, mas não estamos condicionados à ela. Quem venham mais filmes emocionantes, cheios de adrenalina, ou tocantes, no estilo "pipoca"! Mas que saibamos também utilizar essa efervescência cultural do século XXI como ponto de partida para o pensamento crítico em favor sobretudo de nós mesmos, da nosso sociedade.
ResponderExcluirParabéns pela reflexão. Campo vasto para discussões interessantes!
Abraço.
Eu prefiro encarar a concepção hegeliana: a sociedade é um processo histórico contínuo de racionalidade e perfeição cada vez maior. Através dos processos dialéticos de desenvolvimento, que naturalmente se chocam, resultamos em algo sempre mais complexo. E isso, não é bom, nem ruim, é apenas natural e intocável.
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