Em primeiro lugar, não vou dizer que sou contra o Oscar. Mas também não sou a favor. Entendam: o prêmio mais cobiçado pelo cinema mundial tem sim todo o glamour que costumam mostrar, tem rios, oceanos de dinheiro envolvidos, tem todos os rostos mais famosos da grande tela, tem a força de uma indústria mundial e economicamente hegemônica. Tem isso tudo e um monte de outras coisas. Mas não é para nós. Não porque ache que não é para o nosso bico. A verdade é que não é para o nosso umbigo. É para o umbigo dos norte-americanos (e alguns de seus sócios, logicamente).
O Oscar é a celebração máxima de um tipo de cinema feito pelos americanos, para os americanos e vendável para o resto do mundo, dentro dos critérios estabelecidos por eles mesmos. Ponto parágrafo; “zefiní”. Qualquer variável além desta, como prêmios de melhor filme estrangeiro ou outras brechas que certas categorias possam legar beneplacitamente a filmes de outras nacionalidades, só encontram espaços devido aos lobbys fortíssimos junto à Academia Norte-Americana de Cinema e suas grandes produtoras.
Hollywood é um produto extremamente comercial e egocêntrico, cujas estrelas que gravitam no seu entorno vivem dos interesses do seu próprio mundo, de olho no que o mundo dos outros possa lhes comprar. Ter uma visão crítica acerca do mercado norte-americano não nos impede de reconhecer as incontáveis obras-primas desse mesmo mercado, repleto de filmes incríveis, de diretores visionários e geniais. Mas não se pode perder de vista que se trata de uma indústria auto-valorizável, onde o lugar da narrativa, da visão do mundo, da economia e dos valores se referendam em torno de si mesmo, deixando muito pouco espaço para o resto do mundo. O Oscar norte-americano é a celebração do seu próprio cinema.
Mas afinal, qual é o valor ou não de uma premiação do Oscar para nós, estrangeiros? Digo “estrangeiros” porque este é o lugar que ocupamos, apesar de consideramos o evento a maior premiação do cinema mundial (o que torna o sentido de estrangeiro um contrassenso).
Do ponto de vista comercial, é um excelente cartão de visitas: como vitrine de uma indústria que movimenta bilhões de dólares anualmente, fazer parte de um rol de obras premiadas pelo evento abre uma série de possibilidades, dando maior visibilidade para os filmes produzidos pelo país de origem, pelo diretor, etc., direcionando o olhar do grande público internacional para as razões pelas quais o prêmio foi concedido. Aos frutos colhidos por uma premiação dessa natureza, soma-se ainda um impulso muito bem vindo nos mercados interno e externo, fomentando novas iniciativas, repercutindo no estímulo a outros profissionais e no investimento maior no setor.
Mas a raridade de uma premiação direcionada a outro país nos remete às razões fundamentais da minha crítica. Por ser voltado para um mercado auto-centrado, cujas preocupações gravitam – ainda hoje – sobre a mesma política de disseminação da cultura norte-americana, o American way of life, a sagração de seus próprios nomes, produções, atores, profissionais, entre outros, é mais um mecanismo de valorização de si mesmo, permitindo poucas brechas para qualquer influência externa. Efetivamente, não lhes interessam outros olhares, outras identidades, outros prazeres, outras nuanças que não as que partem do seu próprio olhar etnográfico, cercado mercadologicamente de um potencial econômico muito bem estudado do qual possam usufruir, credenciando-lhes, inclusive, com a chancela de um Oscar.
O cineasta Walter Salles, quando da indicação de seu filme Central do Brasil ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar em 1998, afirmava com uma verdade muito consciente que era preciso que nossos filmes fossem vistos primeiro pelos brasileiros, que estas obras encontrassem eco prioritariamente em seu próprio mercado e depois, por consequência (e não por razão única), tomassem espaço no mercado internacional. Fiel ao que pregava, pouquíssimos dias antes do Oscar, ao invés de estar viajando pelo mundo, encabeçando na grande mídia internacional os esforços que pudessem fazer da sua obra um dos favoritos ao prêmio, o cineasta se dedicava durante uma semana inteira a um evento de formação sobre a história do cinema brasileiro no interior da Bahia, mais precisamente no Teatro Glauber Rocha, na Uesb de Vitória da Conquista.
Enfim, torçamos, então, para que nossos filmes sejam fiéis ao que somos; o resto será sempre lucro.






É nesse ponto, mais do que todos, que o filme se revela profundamente teatral, para além de sua origem ser uma peça (e sua diretora e atores figuras importantes da cena teatral carioca). Pois não importa que, em termos de linguagem, haja um esforço considerável para dar dinamismo ao que se vê, como se justamente nisso se buscasse fugir de possíveis engessamentos desta matriz teatral – usando, inclusive e sintomaticamente, verdadeiras autoridades de uma “linguagem cinematográfica brasileira atual” (nomes como Walter Carvalho na fotografia ou Sérgio Mekler na edição - e, de fato, o primeiro e seus câmeras encontram soluções de iluminação e quadro bastante bonitos, assim como o segundo consegue impor à dinâmica interna das cenas um ritmo e uma lógica bastante interessantes). Afirmamos que não importa porque o que há de teatral no filme antecede e se sobrepõe a qualquer linguagem: é o seu projeto, que perde um tanto do sentido quando não é mais algo que acontece a cada noite num palco, como no teatro, mas sim eternizado em apenas um estado (um “corte”, para sermos técnicos), como exige o cinema. Eternizar este um corte significará, sempre, que o cinema continua sendo, queira-se ou não, a arte do diretor: uma onde pode-se até colocar o ator como parte essencial da sua criação, para além da sua performance (afirmando, por exemplo, um trabalho coletivo de escritura de roteiro), mas ainda assim ele, o ator, não será o dono do poder sobre o discurso - como é no teatro.








