Por
Marcelo Lopes
O filme “O Tropeiro”(1961), o vínculo
natal do cineasta Glauber Rocha (1939-1981) e a passagem da equipe de filmagens
de “Central do Brasil”(1998) são exemplos, em tempos e perspectivas diferentes,
de registros fundamentais da relação estreita que Vitória da Conquista
alinhavou com a sétima arte. Futucando minhas coisas em casa, resgatei um material
importante desta história. Registros que acompanhei passo-a-passo, de perto, e
que, num tributo merecido, deixo aqui postado como parte da memória recente da
cidade e daqueles, que como eu, respiram cinema.
Walter Salles |
Em 1996, o então recém-eleito prefeito
de Vitória da Conquista, Guilherme Menezes, havia sido contatado pela equipe de
um longa-metragem que circulava o país para conseguir apoio logístico para suas
filmagens. Tendo como referência o trabalho já reconhecido da ProVídeo/Programa Janela Indiscreta Uesb na área da formação de público para o cinema, o gestor triangulou os contatos para a
viabilização desta possibilidade. O filme apontava nomes conhecidos no elenco e
era encabeçado por um então jovem cineasta vindo do campo da publicidade e do
documentário: Walter Salles (o Jr. sairia da assinatura pouco tempo depois).
Terra Estrangeira no Madrigal: ao centro o ator Matheus Nachtergaele |
Em um curto período chegaram o roteiro,
números de telefone e toda uma rede de articulações se mobilizou. Num lapso de
segundo, parecia que tudo estava pronto, por maior que fosse a trabalheira real
em torno disto. Com a parceira de instituições públicas e privadas locais, a
equipe se acampou com dezenas de pessoas, equipamentos e toda sua parafernália cinematográfica no
bairro Vila Serrana II para sete dias de filmagens. Na contrapartida do apoio, a equipe levou
para dentro do filme atores e técnicos locais, deu acesso a parceiros e participou de
eventos relacionados ao cinema, como a exibição do filme Terra Estrangeira, do
diretor Walter Sales, que o comentou a um assombroso público de mais de mil
espectadores no Cine Madrigal.
Cena de Central do Brasil na Vila Serrana, em Conquista |
Foram dias interessantes. O então não tão famoso
ator Matheus Nachtergaele, descia do apartamento do hotel Livramento e passava os
finais da tarde sentado à mesa de um barzinho de esquina na Praça do Gil, sem que ninguém
o notasse. Um bate papo agendado num sábado à tarde com os diretores Walter
Salles e Walter Carvalho (responsável pela fotografia do filme) se tornou uma deliciosa aula de mais de quatro horas sobre
cinema numa salinha na Uesb para um grupo de não mais que doze pessoas (e eu no
meio!!). E talvez a mais instigante aprendizagem era poder respirar o ar daqueles
dias nos espaços dos sets de filmagens. Entendam: cinema no Brasil neste período
era meio que um bicho-de-sete-cabeças (um trocadilho proposital). Primeiro,
porque fazê-los não era algo assim tão fácil depois que Fernando Collor praticamente
havia esfacelado os mecanismos que estruturavam o cinema no Brasil; segundo,
o contato direto com este universo quase mitológico do cinema não era tão acessível, e em meio a tudo isso, não se tratava apenas de presenciar qualquer filme: era um longa-metragem, com
profissionais com um know-how acima da média, com atores de ponta e um
investimento considerável. Isto pode parecer óbvio hoje em se tratando de
Central do Brasil, mas à época, ainda não havia todo o frisson em torno do que
ele viria a se tornar, como um marco na cinematografia brasileira, uma narrativa
sensível, uma produção respeitada, que levaria o Leão de Ouro em Cannes e
indicações ao Oscar. Naqueles dias de 1997, a festa ainda era só dos
conquistenses.
Por atuar na logística local, tínhamos
acesso irrestrito às filmagens: assistíamos às gravações no final da tarde (que
no filme aparecem como o amanhecer quando a personagem Dora vai embora), víamos
os ensaios meticulosos de Matheus, buscando se alimentar do sotaque e do
palavreado local; Vinícius de Oliveira e Caio Junqueira jogando bola nos
intervalos. Podíamos assistir in loco
a atuação de “Dona” Fernanda, como todos respeitosamente a chamavam, e neste
momento era perceptível como certas pessoas têm, de fato, uma aura visível de
dignidade, para além de qualquer notoriedade. Conversávamos com membros da
equipe que despontariam tempos depois no cinema brasileiro, a exemplo de Kátia Lund, co-diretora
de Cidade de Deus. Há cenas, costumo dizer, que se a câmera pudesse magicamente
sair do enquadramento e se deslocar para o lado por um momento, estaríamos nós
ali sentados, vendo e vivendo tudo aquilo.
Jorge Melquisedeque entrevista Fernanda Montenegro |
Fotos: Arnaldo Ribeiro |
Foto: Edna Nolasco |
"Transferindo" o comentário de Chico Luz:
ResponderExcluirMarcelo, gostaria de deixar aqui os meus parabéns por esse texto/depoimento tão lúcido de um momento extremamente significativo para a cultura conquistense. Ainda, pela lembrança de Jorge Luiz (citar Esmon foi exagero), em meio aos dois grandes nomes, centro desse episódio: Glauber e Walter.
Hoje, daqui de Londrina, tão distante de minha cidade, penso e repenso: que pena que deixam as pessoas passarem para só depois se darem conta do seu enorme valor cultural. Cajaíba se foi, Geraldino o seguiu, Maestro Alvino copiou a trilha e estão indultos em outra esfera. Só que Maria da Glória ainda vive... Vai passar para um registro posterior... ou "post mortem"? Há ossos que queimarão no inferno!!!!
Forte abraço!!!!
Ps. a narração de Elton é um primor à parte.
Parabéns Tchelo's! (é assim que o conheço e venero) Belo texto, reflete belas lembranças de um tempo que todos os que vivemos e lembramos de sementes plantadas em solo fértil, regado de suou sangue e lágrimas mas, apimentado por inúmeras gotas de esperança. Esta é a nossa Conquista. Walter nos eleva e você retrata isso bem, uma condição cosmopolita que Conquista tem como cidade única, onde o povo escolhe seu caminho e assume as responsabilidades por isto. Com participação permanente e cotidiana observa e cobra a coerência dos compromissos assumidos pelos que se colocam em funções públicas. Naquele dezembro, quantas lembranças, as escolhas não eram fáceis, mas, sabe-se lá como, este "anjo" Walter da família Sales, aporta em Conquista tal qual um capitão de uma nave recheada de "Boas Novas". E, encontra gente como Jorge Luiz Melquisedeque (de memória profundamente saudosa sempre!), e daí Guilherme (o homem recém eleito), e tantos mais... que dá a nossa Conquista a possibilidade de participar logo depois de uma disputa de Oscar. Quem imaginaria? quem diria? Mas, valeu Marcelo por esta lembrança e este lúcido texto. PS. Valeu saber de tí Chico Luz. Forte Abraço!
ResponderExcluirParabéns pelo importante documento cinematográfico.
ResponderExcluirJá estou compartilhando na rede.
Obrigado, Alberto!
ExcluirCompartilhe o quanto puder... essas coisas não podem nunca ficar engavetadas!!
Um abraço!
Depoimento de Wilson Granja (via Facebook):
ResponderExcluirAcabei de ver o vídeo. Engraçado que, se não me engano, o dia em que aconteceu a seleção para a figuração, eu estava fazendo vestibular como treineiro ainda, da UESB. Louco pra estar no meio disso tudo, pra fazer figuração, mas não podia deixar de ir fazer a prova. Nem imaginava que pouco mais de 10 anos depois, eu estaria começando a redirecionar a minha vida, para me tornar um ator... Que loucura! As voltas que o mundo dá, como diz o texto de Jorge logo no começo do vídeo... E este filme... Me emociono com ele sempre, me emociono aos primeiros acordes de qualquer uma das músicas da trilha... e me emocionei vendo este vídeo. E com a esperança de um dia voltar pra minha terra e poder sentir o pulsar desses 7 dias de criação, por toda uma vida... Obrigado!